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Bolsonaro é a mão que puxou gatilho do fuzil e jogou granadas de Jefferson

Por Geraldo Azevedo colunista do Uol

Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Anderson Torres, de maneira clara e inequívoca, resolveram dar piscadelas para a luta armada que Roberto Jefferson tentou deflagrar no Brasil — alinhado, note-se, com a pregação quase cotidiana do presidente. Quando perceberam que lhes faltaria, mesmo no terreno conservador, sustentação para a leniência com um canalha que enfrenta policiais federais com fuzil e granadas, decidiram recuar. Mas já tinham deixado as suas digitais na tentativa de levante contra o Supremo. Ainda volto a esse ponto. Antes, algumas considerações

Jefferson, é fato, não pode ser considerado uma cria de Bolsonaro. Tinha o seu próprio espaço de delinquência política. A sua conversão à extrema-direita armada, no entanto, coincide com a chegada do atual presidente ao poder. A escalada disruptiva do seu discurso pertence ao mesmo movimento de deslegitimação das instituições liderado pelo chefe do Executivo. Dissociar o banditismo a que se assistiu neste domingo da cruzada golpista a que Bolsonaro deu início no dia 1º de janeiro de 2019, quando tomou posse, corresponde a ignorar o óbvio.

Ao enfrentar policiais federais com tiros de fuzil e granadas, Jefferson dá consequência à pregação do presidente em favor da guerra civil. “Gente armada jamais será escravizada” é o lema de Bolsonaro. E era o que o bravateiro anunciava de sua casa, depois de publicar nas redes as consequências de seu ataque aos policiais. Dizia estar farto e afirmava que não iria se entregar; que ninguém o prenderia vivo, sugerindo que poderia se matar.

Não se matou. É pouco provável que Jefferson tenha lido as considerações de Albert Camus sobre o suicídio em “O Mito de Sísifo”. Também não se deve apostar que conheça o que pensa o cristianismo — e agora ele se diz um convertido — sobre o ato de tirar a própria vida, o que é considerado uma abominação. Como se pode perceber, no entanto, não tem os mesmos pruridos quando se trata de pôr em risco a vida alheia. Nem ele nem os tarados do armamentismo, de que este governo está coalhado. Aliás, essa é a maior evidência da picaretagem de líderes religiosos que dizem se alinhar com o presidente em nome de Deus. Onde houver o reino da morte não pode estar a palavra de Cristo. A tentativa de se criar uma “República dos Pastores” nada tem a ver com o divino. Trata-se de poder terreno mesmo; é luta política.

AMBIGUIDADE CRIMINOSA Voltemos ao ponto inicial. Qual foi a primeira reação de Bolsonaro ao saber dos atos criminosos de Jefferson? Escreveu isto no Twitter: “Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP.

Vale dizer: colocava em pé de igualdade decisões judiciais — e ele tem o direito de não gostar delas e de recorrer aos tribunais, segundo dispõe a lei — às ações de um delinquente. Mais do que isso: na prática, ele estabelece uma relação de causa e efeito, de sorte que os “inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP” estariam na origem dos atos delinquentes. Uma nota: a PGR, o que não deixa mesmo de ser excepcional, é que pediu, originalmente, a abertura da investigação contra o biltre.

Bolsonaro fez mais — e depois tentou contar uma lorota a respeito: despachou para o local o ministro Anderson Torres (Justiça), originalmente um delegado federal. Não chegou a ir à casa de Jefferson. Acompanhou o caso a 50 km de lá, em Juiz de Fora. Escreveu o seguinte no Twitter: “Momento de tensão que deve ser conduzido com muito cuidado. Ministério da Justiça está todo empenhado em apaziguar essa crise, com brevidade, e da melhor forma possível”.

Perceberam? Um delegado federal, convertido em ministro, chama de “crise” a situação criada por um bandido, que só teve a prisão preventiva decretada de novo porque desrespeitou as condições para a prisão domiciliar, decidindo enfrentar agentes federais com tiros de fuzil e granadas. Observem que Torres se abstém de censurar Jefferson.

NOVA ORDEM Foi preciso que o ministro Alexandre de Moraes determinasse, de novo, a imediata prisão de Jefferson, ameaçando acusar de prevaricação quem criasse obstáculos à execução da ordem judicial, para que a coisa se cumprisse. Se Torres não entendeu, o recado era mesmo dirigido a ele. Imaginem algo parecido no Complexo do Alemão ou no Salgueiro, não é?

Uns 30 corpos pretos teriam sido empilhados, havendo ou não relação com a resistência criminosa, e o bolsonarismo aplaudiria os assassinatos. Aliás, não era raro que reses daquela turma que é conhecida como “gado”, nos comentários em defesa de Jefferson e contra o Supremo, sugerissem que os policiais fossem atuar nas favelas. O fascismo é também um sistema político e econômico. O Brasil não é fascista. Já o “fascistoide” é alguém que tem o comportamento, a moral e os valores de um fascista. E o país está, sim, coalhado deles. Inclusive no topo do poder.

CAVALO DE PAU A barra, no entanto, começou a pesar. Os tais “fascistoides” a que me referi saíram dos esgotos para exaltar Jefferson, mas faltou, vamos dizer, volume no entusiasmo delinquente. Associações de trabalhadores da PF manifestaram seu repúdio e até Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que costuma se calar diante de qualquer horror, veio a público para condenar o ato. Bolsonaro e Torres perceberam que as milícias criminosas nas redes não estavam conseguindo emplacar a demonização do TSE, do STF e de Alexandre de Moraes.

Aí o ministro da Justiça e o presidente resolveram mudar de prosa. Torres, o que queria “apaziguar a crise”, resolveu bater em Jefferson: “Após ataque covarde a policiais federais, Roberto Jefferson foi preso”.

Com o despudor habitual, aquele Bolsonaro que havia decidido responsabilizar o Supremo pelas delinquências do seu aliado, contou a seguinte lorota: “Como determinei ao ministro da Justiça Anderson Torres, Roberto Jefferson acaba de ser preso. O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido. Presto minha solidariedade aos policiais feridos no episódio”. Duas questões:

– Bolsonaro não pode mandar prender ninguém; isso é tarefa da Justiça. A ordem partiu de Alexandre de Moraes; – observem que “a pobre vítima” do Supremo virou bandido… Gravou um vídeo e postou nas redes sociais. O pânico estava estampado em seus olhos.

Torres também fez o seu, em apoio aos policiais “feridos nesse evento”. E acrescentou: “Voltando um pouco na linha do tempo, [gostaria de] me solidarizar com a ministra Cármen Lúcia, que foi ofendida por essa infrator”… Também eu vou voltar na linha do tempo: Moraes lembrou ao sr. Torres que qualquer dificuldade que ele criasse para a prisão do atirador implicaria crime de prevaricação.

VIOLÊNCIA SE ESPALHA É claro que a democracia nunca assistiu a coisas assim. E a razão é simples: elas não são próprias da… democracia. “Ora, Reinaldo, mas Jefferson está sendo punido…” É verdade. Ocorre — e este é o ponto principal — que esse cara é apenas a dimensão prática do discurso de Bolsonaro. Ou o presidente, na sua primeira reação, não resolveu atacar o Judiciário?

Outra coisa não fez Hamilton Mourão, o ainda vice-presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul. Está de volta à sua real natureza, e se evidencia como era falso aquele seu jeito de tiozão amigo da imprensa, que tentou fingir durante certo tempo. Disse lamentar e repudiar as falas e os atos de Jefferson, mas acrescentou: “Tal estado de coisas acontece porque o sistema de freios e contrapesos não está funcionando”.

Outra coisa não fez Hamilton Mourão, o ainda vice-presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul. Está de volta à sua real natureza, e se evidencia como era falso aquele seu jeito de tiozão amigo da imprensa, que tentou fingir durante certo tempo. Disse lamentar e repudiar as falas e os atos de Jefferson, mas acrescentou: “Tal estado de coisas acontece porque o sistema de freios e contrapesos não está funcionando”.

Em Macaíba, Rio Grande do Norte, um tiroteio interrompeu ontem à noite um evento em apoio a Lula, liderado pela governadora reeleita Fátima Bezerra (PT). A deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) foi chamada de “vagabunda” por um canalha no restaurante do hotel em que estava hospedada em Belo Horizonte, na noite de sexta.

Jornalistas e cinegrafistas foram cercados por militantes bolsonaristas que se reuniram em defesa de Jefferson em frente à sua casa. O cinegrafista Rogério de Paula, da Inter TV, afiliada da Globo, foi atingido na cabeça por um deles. Mesmo caído, sem poder se defender, a horda se amontou para xingá-lo. Fizeram isso mesmo com a polícia presente.

Esse é o país que Bolsonaro armou até os dentes.

Esse é o país em que o adversário virou inimigo a ser eliminado.

Esse é o país do “povo armado jamais será escravizado”.

Esse é o país comandando por um subversivo da ordem democrática.

Jefferson é apenas o seu esbirro mais patético.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa