CampanhasDestaque

Memória: 20 anos da Chacina da Via Show

Na noite do dia 5 de dezembro de 2003, os irmãos Rafael e Renan, foram com o seu primo Bruno e com o amigo do grupo, Geraldo, foram para a Via Show em São João de Meriti, e não retornaram para casa. A última vez que foram vistos, pelo seu amigo Wallace Lima, foi no interior da casa de shows. Somente no dia 09 de dezembro foram encontrados seus corpos em um sítio em Duque de Caxias, todos estavam com marcas de tortura e tiros de fuzil.

Os jovens amigos Geraldo Sant’Anna de Azevedo Júnior, de 21 anos; Renan Medina, de 13 anos; e os irmãos Bruno Muniz Paulino, de 20 anos e Rafael Paulino, de 18 anos, eram moradores do bairro Jardim Santo Antônio, em Guadalupe. Foram para a Via Show na qual passariam a noite do dia 05 para 06 de novembro.

Segundo a denúncia do Ministério Público do Rio, pouco depois das 4 horas da manhã o soldado do Exército Geraldo Sant’Anna entrou sozinho no estacionamento da Via Show para pegar seu carro. Porém resolveu urinar atrás de um outro carro. A segurança da casa de espetáculo Via Show era feita por policiais militares que estavam fazendo o chamado “bico”, pratica considerada ilegal pela corporação. E o carro que Geraldo Sant’Anna se aproximou era do soldado PM Henrique, que atuava como ‘chefe de segurança’ dos camarotes da casa noturna.

O policial Henrique achou que o jovem negro estivesse tentando furtar seu carro, um Kadett vermelho, chama outros PMs que estavam na segurança e começaram a espancá-lo. Bruno, Rafael e Renan acharam que Geraldo estava demorando e foram a seu encontro e ao chegarem no local, passaram também a ser espancados. As agressões ocorreram por muito tempo, até que os policiais ficaram sabendo que Geraldo Sant’Anna era militar. Acreditando que isso lhes poderia criar problemas, os PMs Henrique e Fábio chamara o então capitão PM Ronald Alves, que fazia a ronda de área e recebia dinheiro para acobertar desvios dos seguranças da Via Show.

O capitão Ronald, que estava de serviço como oficial supervisor do 15º BPM (Duque de Caxias), chegou ao local na companhia de seu motorista, o soldado Vagner Luís Victorino, e ambos passaram a participaram das agressões. Segundo testemunhas Ronald Alves decide assassinar os jovens e desaparecer os corpos na estratégia usada pelos grupos de extermínio de policiais de que “sem provam, sem crime”. Para isso, acionou os policiais que estavam de serviço em um DPO de Parada Angélica, Gilberto e Luiz Carlos, e colocaram os meninos sob ameaças com armas de fogo em veículos e foram para Duque de Caxias.

Uma caravana de três veículos levou as vítimas para uma fazenda abandonada conhecida como ‘Parada Morambi’. No local, os jovens voltaram a ser torturados, foram executados com vários tiros e jogados em um poço para que seus corpos nunca fossem encontrados.

Sem saber do acontecido, os familiares começam a fazer a peregrinação para encontrar seus filhos. Somente no dia 09 de dezembro os corpos foram encontrados a partir de ligações para o Disque Denúncia. Os corpos dos jovens apresentavam marcas de tiro, principalmente na cabeça, pelo menos três tiros em cada um, tinham os crânios destruídos por tiros de fuzil.

“O Renan me pediu para ir à Via Show com um grupo de amigos. Eu não queria deixar, pois, embora parecesse bem mais velho, porque era alto, só tinha 13 anos e nunca tinha saído à noite. Ele tinha passado de ano e iam 30 adolescentes nesse dia. Ele colocou sua roupa mais bonita, me deu um grande beijo e se foi” – Elizabeth Paulino, mãe de Rafael e Renan.

A partir das denúncias, as investigações da Delegacia de Homicídios levaram a policiais militares: o capitão Ronald Alves; e os soldados Gilberto de Paiva, Luiz Carlos de Almeida, Vagner Luís Victorino, Henrique Vitor de Oliveira Vieira, Fábio Vasconcelos, Paulo César da Conceição e Eduardo Neves dos Santo. Houve também um nono policial militar, um sargento, que foi liberado à época por não se provar envolvimento seu com o caso.

Desde então, as famílias de Siley Muniz Paulino, mãe de Bruno, e sua concunhada, Elizabeth Medina Paulino, mãe de Rafael e Renan, iniciaram uma árdua batalha por justiça.

No ano seguinte, em julho de 2004, o Ministério Público ofereceu denúncia que foi recebida pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias, em 17 de agosto do mesmo ano, em face de Ronald Paulo Alves Pereira, então capitão PM, em serviço no momento do fato como oficial supervisor do 15º BPM; Gilberto Ferreira de Paiva, soldado PM, em serviço no DPO de Parada Angélica – que teve extinta sua punibilidade por morte; Luiz Carlos de Almeida, soldado PM, em serviço no DPO de Parada Angélica; Vagner Luís Victorino, soldado PM, em serviço, dirigiu a viatura do oficial supervisor; Henrique Vitor de Oliveira Vieira, soldado PM, chefe de segurança dos camarotes da casa; Fábio de Guimarães Vasconcelos, soldado PM, chefe de revista; Paulo César Manoel da Conceição, soldado PM; e Eduardo Neves dos Santos, soldado PM. Foi confirmado que cinco dos nove policiais presos faziam “bico” como seguranças da casa noturna. E que os outros quatro estavam em serviço próximos ao local do crime.

Em 2005, foi decretada a prisão de quatro dos policiais envolvidos (Paulo, Eduardo, Henrique e Fábio), que eram lotados no 15º Batalhão (Caxias) e no 21º Batalhão (Vilar dos Teles). Mas em 15 de abril de 2005, o Tribunal de Justiça do Rio revogou as prisões temporárias de todos, concedendo aos acusados o direito de responder ao processo em liberdade. Em julho, o Ministério Público ofereceu denúncia ao juiz da 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias, que acatou o pedido e oito policiais foram indiciados. Em 9 de junho de 2005, foi decretada a prisão de apenas quatro policiais, a promotora também pediu a prisão dos outros quatro.

“No último julgamento, os PMs que mataram o meu filho foram condenados, mas como era em primeira instância, eles recorreram e estão soltos. Como pode? Meu filho, os primos e o amigo apanharam muito no estacionamento da Via Show. Os corpos foram encontrados na rodovia Washington Luís sem nenhum dente na boca, com sinais claros de execução. No local onde encontraram os corpos, tinham várias ossadas de outras pessoas. Se não fosse por uma denúncia anônima, até hoje nós não teríamos encontrado nossos filhos” – Trechos da entrevista com Elizabeth Paulino, mãe de Rafael e Renan.

As condenações por homicídio, ocultação de cadáver e formação de quadrilha armada se arrastam nos tribunais com estratégias recursais da defesa do PMs durante vários anos. A Chacina da Via Show passaram a ter a solidariedade de dezenas de familiares de vítimas de violência policial e de movimentos sociais. A maioria dos PMs esperou os julgamento em liberdade, um foi assassinado, outro foi internado em um hospital de custódia manicomial.

Praças foram julgados e oficial promovido

O capitão Ronald Alves, único oficial entre todos os policiais acusados, além de ainda não ter ficado preso, foi promovido para Major. Ele seguiu sem função na corporação, lotado no então Departamento Geral de Pessoas (DGP), recebendo salário normalmente e aguardando a definição de sua função.

Em 2010, Ronald participou de um curso de aperfeiçoamento de Oficiais, viajou com autorização do Comando da Polícia Militar do Rio para a cidade de Recife (PE) para o curso e submeteu, ao fim da viagem, o resumo de atividades à Secretaria de Segurança. Um absurdo diante da impunidade e falta de responsabilização diante de crimes como esse motiva as famílias a seguirem suas lutas, cobrando respostas do Estado.

Assassino homenageado por Flávio Bolsonaro

Poucos meses após a Chacina da Via Show, Ronald foi homenageado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro. Na época, o filho mais velho de Jair Bolsonaro era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Na época, Flávio fez uma Moção de Louvor e Congratulações que homenageasse o policial por “importantes serviços prestados ao Estado do Rio de Janeiro quando da operação policial realizada no Conjunto Esperança no dia 22 de janeiro de 2004”.

Escritório do crime

Ligado ao chamado “escritório do crime”, grupo de onde teria sido articulado o assassinato da vereadora Marielle Franco, o major PM Ronald Paulo Alves Pereira foi preso por envolvimento com a milícia de Rio das Pedras, no início de 2019.

Segundo a Coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), promotora Simone Sibilio, o major Ronald exercia liderança na organização criminosa, valendo-se de sua condição privilegiada de policial da ativa.

Condenação de Ronald

Ronald foi preso em 2019 como parte da Operação Intocáveis, lançada pelo GAECO, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, que tinha como alvo a milícia que comandava os subúrbios cariocas. Apontado como ex-chefe da milícia da Muzema, na Zona Oeste do Rio, o policial militar Ronald Alves de Paula, conhecido como Major Ronald foi condenado, no dia 11 de outubro de 2022 por quatro homicídios qualificados e a ocultação de cadáver de um dos corpos do Caso da Via Show, a 76 anos e oito meses de prisão.

Ronald está preso no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Pai de Rafael e Renan não viu a justiça pelos filhos

Os familiares da chacina da Via Show esperaram 18 anos e dez meses para que todos os responsáveis pelo assassinato de seus filhos, fossem condenados. Em especial Elisabeth Medina Paulino, que perdeu Rafael e Renan.

“Desta última vez, não me avisaram do julgamento porque houve vários adiamentos anteriores e aí preferiram me avisar do resultado apenas. Por isso, desta vez não tive oportunidade de acompanhar pessoalmente. Meu marido não aguentou essa demora da Justiça e morreu após sofrer um infarto. Minha cunhada, mãe do Bruno, também perdeu o marido dela. E o pai do Geraldo também morreu sem saber da condenação do Ronald. Eles não aguentaram e, como meu marido, também sofreram um infarto. Nossa família era muito agarrada. Meus filhos eram maravilhosos. Eu tinha certeza que um dia conseguiria justiça. Por isso, nunca desisti de lutar por isso”, disse Elisabeth em entrevista ao Extra em outubro de 2022.

PM é condenado pela morte dos jovens da Chacina da Via Show

| Editoria Virtuo Comunicação

| Projeto Comunicando ComCausa

| Portal C3 | Instagram C3 Oficial

Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *