Da cadeira ao caos: a escalada da violência política no Brasil
Resumimos a violência política a uma cadeira. Se esse fosse o maior problema da violência política no Brasil, estaríamos em uma situação mais tranquila, mas é apenas a ponta do iceberg. Recentemente, um candidato a prefeito, acompanhado de seus seguranças, agrediu de forma covarde e criminosa um candidato a vereador, que ficou desacordado. Na Baixada Fluminense, uma candidata a vereadora foi assassinada junto com seu filho. Em três décadas, 94 políticos foram mortos no Rio de Janeiro, de acordo com um estudo conduzido por Huri Paz, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Ele analisou o acervo de jornais disponíveis na Biblioteca Nacional, além de conteúdos de jornais on-line.
No entanto, um relatório do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (OVPE-Unirio) revela que, nos últimos cinco anos, 55 políticos foram assassinados no estado.
A violência política não se restringe aos candidatos: ela atinge suas famílias, amigos, vizinhos, entre outros. Um estudo da UniRio contabilizou 1.209 ataques a políticos de janeiro de 2019, primeiro mês do governo Bolsonaro, até junho deste ano. Somente em 2022, 45 lideranças políticas foram vítimas de homicídio. Nesse mesmo ano, a violência política cresceu 335% no Brasil, com 214 casos registrados.
Essa violência também se espalha pelas redes sociais. Quase 90% da população brasileira admite já ter acreditado em conteúdos falsos, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva obtida com exclusividade pela Agência Brasil. O levantamento revela que oito em cada dez brasileiros já deram credibilidade a fake news, mesmo que 62% confiem na própria capacidade de distinguir entre informações falsas e verdadeiras.
Somos um país politicamente violento, e ainda não há um entendimento claro sobre essa realidade. O jogo democrático se transformou em um campo de batalha ideológica, alimentado por figuras como “Bolsonaros”, “Marçals” e “Amorins”, que se beneficiam da violência e das mentiras para se eleger. Eles monetizam essa situação, ao ponto de uma cadeira se tornar tema de violência política e, em seguida, piada nas redes sociais.
Precisamos esperançar a política, que ela seja maior do que ideologias. Nenhum candidato que faça discursos de ódio, que quebre placas e ameace “metralhar” a oposição deve ocupar cargos de destaque.
“Esperançar a política” é um conceito que transcende a simples expectativa de mudanças superficiais na esfera política. Baseado na ideia de “esperançar”, um termo popularizado pelo educador Paulo Freire, ele vai além de esperar passivamente por um futuro melhor. É um ato ativo de engajamento, transformação e construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. Aplicado à política, esse conceito sugere que, em vez de aceitar as estruturas vigentes ou as dinâmicas de poder, devemos nos comprometer a resgatar o verdadeiro propósito da política: o bem comum.
No contexto atual, “esperançar a política” ganha ainda mais relevância. O Brasil, como muitos outros países, tem vivido uma polarização extrema, marcada por discursos de ódio, fake news, violência política e descrença nas instituições democráticas. Esses elementos têm corroído o tecido social, afastando a população de um debate público saudável e levando muitos a acreditar que a política é um campo inóspito, dominado pelo cinismo e pela corrupção.
No entanto, “esperançar a política” nos convida a pensar diferente. Ao invés de permitir que a desilusão domine, devemos acreditar na possibilidade de renovação e reabilitação da política como um espaço de diálogo, inclusão e justiça. Isso envolve questionar e desconstruir as dinâmicas de poder que perpetuam a exclusão e a violência, e buscar alternativas que promovam a participação cidadã, o respeito aos direitos humanos e o fortalecimento da democracia.
A política, em sua essência, é o campo onde se definem as diretrizes da vida em comum. Para que ela volte a ser um espaço de esperança, é necessário que as lideranças políticas sejam comprometidas com valores que vão além de interesses pessoais ou partidários, que sejam capazes de unir em vez de dividir, e que ofereçam soluções baseadas no diálogo e na ética. O “esperançar” na política também significa não permitir que discursos de ódio ou atitudes violentas tenham espaço. É agir ativamente para combater a normalização da violência, seja física ou simbólica, e resgatar o respeito ao próximo.
É importante destacar que “esperançar a política” também exige a participação ativa da sociedade civil. A construção de uma política mais justa não depende apenas dos governantes, mas de todos nós, enquanto cidadãos. Participar do processo democrático, seja por meio do voto, de debates, ou de movimentos sociais, é uma forma de exercer esse “esperançar”. É também fundamental acreditar no poder de pequenas ações cotidianas, que juntas têm o potencial de gerar grandes mudanças.
Portanto, “esperançar a política” é muito mais do que esperar. É agir com propósito e confiança de que, apesar das dificuldades e desafios, a política pode e deve ser um instrumento de transformação positiva. É resistir ao ceticismo, promover o diálogo, defender os direitos humanos e lutar por uma sociedade onde o bem comum prevaleça. Ao “esperançar” a política, resgatamos sua função mais nobre: a de servir à sociedade e melhorar a vida de todos.
Ou voltamos a pensar no bem comum, ou seremos todos vítimas dessa violência, sem exceção.
Por João Oscar – Militante político e articulador da Instituição ComCasua de Direitos Humanos
Leia também este artigo:
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________
Compartilhe: