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Manicômio já foi ‘sustento’ do município de Paracambi

A Casa de Saúde Dr Eiras Paracambi foi fundada em 1963,  como  filial da Casa de Saúde Dr. Eiras Botafogo  instalada no bairro de Botafogo, região nobre do município do Rio de Janeiro. A unidade Paracambi,  exclusivamente psiquiátrica, recebia pacientes com problemas crônicos, chamados “sem possibilidades terapêuticas”. “Os pacientes internados em Paracambi,  ali permaneciam pelo resto de suas vidas”, conta Fabiana Castelo Valadares, psicóloga e coordenadora da Unidade São Carlos II  na Intervenção na Dr Eiras Paracambi.

No período de sua criação, pré-ditadura, a Casa de Saúde Dr Eiras Paracambi tinha capacidade de receber 2.550 internos. O hospital se localiza em uma zona rural do município a 90 Km do município do Rio de Janeiro. O acesso mais simples pode ser feito de trem chegando na antepenúltima estação.  O hospital foi fundado como uma entidade privada e prestava assistência a pacientes conveniados ao antigo sistema de previdência social.

Em  1991, trabalhadores do Hospital de Paracambi  se organizaram  em torno da realização de uma denúncia pública em conjunto a ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) relatando os maus tratos e as péssimas condições de assistência  em que os pacientes se encontravam na instituição. Esta denúncia deu origem a uma grande mobilização e a estruturação de uma estrutura de “triagem” que se configurou em uma porta de entrada municipal que responsável pelas autorizações de internação hospitalar.

Como um dos efeitos da denúncia de 1991 o município de Paracambi iniciou a reformulação da assistência a saúde mental. Assim  com o intuito de minimizar as internações no município e em busca de uma melhor assistência aos pacientes psiquiátricos, em 1992 foi criado o Pólo de Saúde Mental,  com leitos psiquiátricos no Hospital Geral da cidade. As ações do Pólo de acolhimento a crise, internações de curtíssima permanência e triagem da clientela reduziu 80% das internações psiquiátricas no município em seu primeiro ano de funcionamento, reduzindo assim também o número de internações na Dr Eiras. De 1992 em diante, a rede de Saúde Mental do Município foi ampliada, com a construção do CAPS II e do CAPS ad, visando estratégias de atenção a população interna e externa ao hospital.

As ações adotadas passaram a estabelecer uma regulação mas as condições de cuidado na CSDE-Pbi não se transformaram e em 1999 a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados instalou uma auditoria no local cujo desdobramento foi uma ação civil pública pelo Ministério Público Federal (ainda em curso) que contribuiu para o processo de intervenção no hospital em 2004, quando lá estavam 954 internos. A intervenção se deu por um decreto municipal com articulação entre as três esferas de governo (federal/MS, Estadual/ASM-SES, Municipal/SMS).A partir do ano de 2000,  as internações tornam-se proibidas por decreto da SES/RJ. A instituição posteriormente foi descredenciada do SUS  após a reprovação (não atingiu os requisitos mínimos para a assistência psiquiátrica) pelo PNASH/Psiquiatria – Programa de Avaliação das Instituições Hospitalares.

Em 2001 o Município construiu, sua primeira residência terapêutica totalizando hoje 21 residências, sendo10 em forma de  vila, construída numa região próxima ao hospital, as chamadas Casas de Passagem. Cada residência tem capacidade para abrigar até 8 moradores que vivem na cidade e mantém seu tratamento na rede de saúde do município.

Em 2004, após a recusa dos proprietários do hospital em efetivar o ajustamento de conduta, exigência do Ministério Público Federal, que visava a melhoria da assistência aos internos e a redução do grande número de óbitos, ocorre a intervenção pelo poder público na Dr Eiras Paracambi. Desde então o município de Paracambi passa gerenciar em parceria com vários municípios do estado do RJ, o processo de desinstitucionalização daquele que já chegou a ser conhecido como o maior hospício privado conveniado a rede pública de saúde da América Latina.

 A Lei Paulo Delgado entra em vigor

No Brasil,  a construção de uma política de saúde mental  vem se consolidando desde a aprovação  do SUS. A primeira lei nacional referente à saúde mental é a LEI 10216, de 2001, lei esta que foi aprovada após a mobilização da sociedade durante seu período de tramitação  no congresso, a partir do projeto de lei proposto por Paulo Delgado em 1989.

Movimentos sociais dão abertura a Luta Antimanicomial

Fabiana recorda que as denúncias de maus tratos continuaram surgindo mesmo após da lei Paulo Delgado, e o surgimento destas denúncias constitui das funções da lei, tornar visível e intolerável as atrocidades que ocorriam com freqüência nas instituições psiquiátricas.  A mudança de paradigma na assistência a saúde mental no Brasil foi fruto de movimentos sociais, também presentes em outros paises, de recusa a exclusão social da loucura.

No Brasil a partir da organização dos trabalhadores da saúde mental chegando a abrangência nacional, foi criado o Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental. Em 1987, o este movimento torna-se mais abrangente com a aliança de familiares, partidos políticos, entidades sindicais, ONG’s e entidades civis. É formado então o Movimento da Luta Antimanicomial, com o lema “por uma sociedade sem manicômios”.

A primeira experiência de intervenção em um hospital psiquiátrico no Brasil acontece em Santos-SP, na Casa de Saúde de Santos, em função de denúncias de maus tratos. Tal experiência é conduzida pela Prefeitura de Santos, que efetiva o fechamento do hospital após um processo se estende por cerca de oito anos.

Durante esse período foram criadas outras formas de assistência psiquiátrica como os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS e os Núcleos de Atenção Psicossocial – NAPS, que são serviços de saúde mental diferenciados, que tem como objetivo substituir os hospitais psiquiátricos e garantir outras formas operar o cuidado. É um serviço aberto, situado na cidade, territorializado e integrado a rede de saúde do município.

http://webapp319229.ip-50-116-19-27.cloudezapp.io/20-anos-da-reforma-psiquiatrica-e-da-luta-antimanicomial/

 

Estas mudanças se consolidam no cenário nacional. A Lei Paulo Delgado dá um respaldo jurídico, uma consistência aos serviços no Brasil, além de outras legislações que foram surgindo e fortalecendo tais mudanças. Dentre os Programas que visam a reformulação da assistência a portadores de transtorno mental, o Ministério da Saúde criou o Programa de Volta pra Casa – PVC que consiste num auxílio mensal de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais). Os pacientes que não tem renda própria podem ser inscritos no Benefício de Prestação Continuada – BPC, que conta com um salário mínimo dando uma sustentação regular para que possa dar continuidade ao tratamento no CAPS. Os benefícios são avaliados anualmente.

http://webapp319229.ip-50-116-19-27.cloudezapp.io/comcausa-debatera-fechamento-do-manicomio-dr-eiras/

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Quando o problema não é financeiro, mas sim de convívio familiar, são realizados encontros e visitas. O acompanhamento é feito por profissionais da área de saúde juntamente com os familiares do usuário.

Fonte: Um pouco de história

Dr. Eiras Nunca Mais

A iniciativa é do projeto ‘Dr. Eiras Nunca Mais’, que a ComCausa elaborou, tem a proposta tratar do resgate histórico deste local como marco, e também promover reflexões e debates sobre os retrocessos da luta antimanicomial. “Vamos buscar apoio para atividades de 23 de março até 18 maio – dia da Luta Antimanicomial – de 2022. Pretendemos fazer matérias resgatando a história do Doutor Eiras e paralelamente questionar a atual situação das políticas que tratam da saúde mental no Brasil”, conta Emanoelle Cavalcanti da ComCausa

Além das pautas, a instituição irá procurara associações de pacientes, além de conselhos das áreas de psicologia e psiquiatria, com a finalidade de propor uma uma audiência pública para discutir o assunto. “Foi um dos maiores crimes contra a população brasileira” – diz Emanoelle – “A existência de lugares como o Dr Eiras foi embasada pela política manicomial que era mais legitimada pelos preconceitos do que por princípios científicos”.

Página Memorial Dr. Eiras Nunca
Ao final deste período, em maio, a ComCausa lançará a página /DrEirasNuncaMais como memorial com a história do hospital e proposta de manutenção e ampliação das politicas antimanicomiais.

Portal C3 | Comunicação de interesse público | ComCausa

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Emanoelle Cavalcanti

Acadêmica de psicologia, voluntária na Ong Médicos do Mundo