Memória: Caso Patrícia Aciolli
No final do dia 12 de agosto de 2011, Patrícia Lourival Acioli retornava de carro do fórum de São Gonçalo, onde trabalhava, para sua casa no bairro de Piratininga, em Niterói. Ao chegar em sua residência, foi assassinada por dois policiais militares.
Como juíza, Patrícia reprimia o crime organizado e, principalmente, policiais corruptos. Ela foi morta na porta de casa, no dia 12 de agosto de 2011, por homens de capacetes que estavam de tocaia. Os assassinos usaram pistolas calibre .40 e .45, de uso restrito da PM e das Forças Armadas. Apesar de estar sob ameaça de morte, Patrícia não estava com escolta policial quando foi abordada.
Na época, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, descreveu o ato como “um ataque ao governo brasileiro e à democracia” e ordenou uma investigação pela Polícia Federal. O então governador Sérgio Cabral Filho prometeu uma investigação rigorosa do caso. O assassinato repercutiu em todo o Brasil e no exterior.
As investigações, conduzidas pelo Delegado Felipe Ettore e pelo Comissário José Carlos Guimarães da Divisão de Homicídios do Estado do Rio de Janeiro, concluíram que o assassinato de Patrícia foi cometido por policiais militares insatisfeitos com sua atuação em relação a um grupo de agentes que atuava em São Gonçalo praticando homicídios e extorsões. Todos os PMs envolvidos eram acusados de participação em grupos de extermínio e suspeitos de corrupção.
Em seu enterro, estiveram presentes desembargadores, juízes, promotores e advogados de diversas áreas. Entre as 450 pessoas que compareceram ao Cemitério de Maruí, no Barreto, em São Gonçalo, estavam, além de amigos e familiares, moradores da cidade que foram impactados pelas decisões da juíza ao longo dos 11 anos em que esteve à frente da 4ª Vara Criminal. Entre eles, Tereza Cristina Escola de Faria, mãe de um jovem assassinado em 2008 por um tenente da PM em São Gonçalo. A última vez que Tereza viu Patrícia foi na quarta-feira anterior ao crime. Na véspera, a juíza havia condenado o policial responsável pela morte do filho de Tereza. Ela comentou: “Ela sempre abriu as portas para mim. Não tem gente em São Gonçalo que não conheça a doutora Patrícia”.
Patrícia começou sua carreira como defensora pública, atuando na Baixada Fluminense. Em 1992, ingressou na magistratura, e em 1997 foi transferida para a 38ª Vara Cível. A transferência ocorreu após ela ter obrigado o governo estadual a adequar o Instituto Padre Severino aos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A juíza Patrícia havia sido casada duas vezes, primeiro com um advogado e depois com o cabo da PM Marcelo Poubell. Ela deixou três filhos, incluindo o filho do primeiro casamento, que ela criava junto com duas meninas.
Descrita como idealista, Patrícia ficou conhecida pelas sentenças contra integrantes de grupos de extermínio, milicianos e policiais envolvidos em crimes. Ela era impulsiva e, em audiências, costumava exigir silêncio ou pedir que advogados de defesa e defensores deixassem o tribunal. Durante seu período como juíza criminal de São Gonçalo, mandou para a prisão mais de 60 policiais. Patrícia era respeitada dentro da própria polícia.
Os autores do crime foram presos e condenados. O tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, então comandante do 7º BPM (São Gonçalo) na época do crime, foi condenado a 36 anos de prisão por ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli, em dezembro de 2013. A sentença foi mantida em segunda instância três anos depois. Após vários recursos, foi confirmada por unanimidade pelos desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio no dia 16 de março de 2019. Cláudio Luiz cumpriu pena em várias unidades prisionais do país e está preso na penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
O oficial foi expulso da PM, mas o processo administrativo ficou parado por cinco anos. Somente em maio de 2012, ele foi beneficiado por uma decisão da desembargadora Gizelda Leitão, que determinou a interrupção do processo até que houvesse o julgamento em segunda instância. O procedimento só foi retomado em fevereiro de 2017.
Além do tenente-coronel Cláudio Luiz, a Justiça condenou o tenente Daniel Santos Benitez Lopez e nove praças: o sargento Charles de Azevedo Tavares; os cabos Alex Ribeiro Pereira, Jeferson de Araújo Miranda, Sammy dos Santos Quintanilha Cardoso, Sérgio Costa Júnior, Carlos Adílio Maciel Santos, Jovanis Falcão Junior; e os soldados Junior Cezar de Medeiros e Handerson Lents Henriques da Silva.
Em 2012, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro criou o Prêmio Juíza Patrícia Acioli de Direitos Humanos. A premiação, em homenagem à magistrada, é aberta ao público de todo o país e visa promover a cidadania, defendendo o direito à vida, à liberdade, ao respeito, à igualdade e à segurança.
Em sua homenagem, o Fórum Regional de Alcântara, da comarca de São Gonçalo, foi nomeado Fórum Juíza Patrícia Lourival Acioli, assim como o presídio de São Gonçalo.
filha da juíza Patrícia Acioli fala sobre o assassinato da mãe, dez anos depois
A estudante de direito Ana Clara Acioli se lembra com detalhes da manhã do dia 11 de agosto de 2011. Ela queria ir ao trabalho com a mãe, a juíza Patrícia Acioli. Aos 12 anos, ela atravessava alguns problemas e havia acordado muito angustiada. “Desde pequena, minha mãe permitia que a gente faltasse na aula para acompanhá-la no fórum, contanto que o resultado nas provas fosse o melhor”, lembra. “Naquele dia, ela disse: ‘Não’. Mais tarde, liguei para dar boa noite e ela falou: ‘Eu te amo o dobro do que você falar. Nunca se esqueça disso’. Fui dormir e, logo depois, minha irmã Maria Eduarda [que tinha apenas 10 anos] me acordou chorando. Eram os tiros. Começamos a rezar.
Foram 21 disparos contra a mãe de Ana Clara, Maria Eduarda e Mike na porta da casa da família, em Piratininga, bairro nobre de Niterói, na região metropolitana do Rio. Ela morreu na hora. Titular da 4ª vara criminal de São Gonçalo, Patrícia Acioli tinha 47 anos e era conhecida pelo combate às milícias. Na época, era responsável por diversos processos nos quais policiais militares de São Gonçalo eram acusados de forjar autos de resistência, isto é, criar um suposto confronto para justificar assassinatos. A juíza foi responsável pela prisão de pelo menos 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio, e recebia ameaças frequentemente. Mesmo assim, estava sem escolta no dia em que foi morta. As investigações revelaram que Patrícia constava de uma lista de 12 pessoas marcadas para morrer.
“Minha mãe tinha oficialmente 33 pedidos de proteção por causa das ameaças que recebia. Todos foram negados. Após sua morte, o Estado também não nos deu nenhuma proteção. Nosso pai que nos mudou de casa, mudava nossa rota e tomou uma série de medidas de segurança”, lista Ana Clara, hoje com 22 anos. O pai, o advogado Wilson Maciel Chagas Junior, e Patrícia eram separados. Onze PMs foram condenados pela morte. Para a maioria, as penas variam de 19 a 36 anos. Handerson Lents recebeu pena de 4 anos e seis meses, em regime semiaberto. Ele confessou ter fornecido o endereço de Patrícia para os colegas de farda executarem o crime.