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Relacionamentos lésbicos, fetichização e censura  

Bandeira representando a comunidade LGBTQIA+

Bandeira representando a comunidade LGBTQIA+

A comunidade LGBTQIAP+ sofre preconceito desde sempre simplesmente por serem quem são. A homofobia já está enraizada na sociedade e nós da comunidade LGBTQIAP+ e simpatizantes lutamos diariamente para combater o preconceito.

Mas hoje quero retratar a respeito da objetificação e fetichização da mulher lésbica nas telas, principalmente em novelas transmitidas em canais abertos. Para entrarmos nesse assunto, primeiro precisamos entender o que é objetificação.

Objetificação e fetichização

A maneira como as mulheres lésbicas são reduzidas a objetos sexuais para o prazer masculino, sendo exploradas e fetichizadas em sociedades patriarcais é uma expressão clara das desigualdades de gênero e da opressão que as mulheres enfrentam em diferentes contextos.

As mulheres são tratadas como um objeto, desprovido de sua humanidade e dignidade, reduzido apenas a sua aparência física ou a um estereótipo sexual. No caso das mulheres lésbicas, essa objetificação é ainda mais acentuada, pois elas são vistas como um objeto de desejo para a satisfação masculina e para a fantasia sexual masculina.

A mídia desempenha um papel significativo na perpetuação desse problema. A indústria do entretenimento, por exemplo, muitas vezes retrata mulheres lésbicas de maneira hipersexualizada e estereotipada. Essas representações distorcidas e reducionistas reforçam estereótipos prejudiciais e contribuem para a visão das mulheres lésbicas como objetos sexuais.

A lesbianidade é frequentemente percebida como uma ameaça à masculinidade e à ordem estabelecida. Por essa razão, a mulher lésbica é muitas vezes fetichizada, como se sua sexualidade fosse apenas um objeto de curiosidade ou uma fantasia a ser consumida.

Nas telas

Diferentemente do século passado, atualmente podemos ver diversos casais homossexuais fictícios em séries, filmes e novelas. A comunidade LGBTQIAP+ carece de representatividade em conteúdo de entretenimento, mas não podemos negar que tivemos um pequeno avanço na aparição de casais homossexuais.

Entretanto, toda via, a forma com a mídia retrata os casais é de um desrespeito sem tamanho. Em serviços privados, como, por exemplo, as plataformas de Streaming, a forma como é construída a relação de casais homossexuais é mais ampla do que em canais abertos e possuem mais liberdade, como em cenas de beijo. Não irei entrar na questão que séries/filmes estrangeiros possuem muito mais liberdade para construir a história do casal, pois isso é papo para outro artigo.

Quero retratar a forma como é construída a história de casais homossexuais, mais precisamente os casais lésbicos, em novelas transmitidas em canais abertos. Vocês sabiam que o primeiro beijo lésbico em uma novela em TV aberta foi exibido somente em 2011?

No dia 12 de maio de 2011, o SBT exibia o beijo entre Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) na novela Amor e Revolução. Em 2014, tivemos o casal Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller), na novela Em Família, exibida pela Globo. Em 2015, tivemos o casal Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Thimberg) na novela Babilônia.

Atualmente, na novela Vai na Fé, exibida pela Globo, temos o desenvolvimento das personagens Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Steinman). E é sobre a relação das duas personagens que irei falar para chegar no ponto em questão.

Na trama, Clara é casada com um homem e vive em um relacionamento abusivo, sofre agressões físicas e verbais do marido, e sempre é diminuída por ele. Já Helena, é uma mulher livre, solteira e assumidamente lésbica, ela é a Personal Trainer de Clara. Clara após saber da orientação sexual de Helena, e de receber conselhos da mesma em relação ao seu marido tóxico, começa a desenvolver sentimentos por ela.

Semanas atrás, as duas em uma conversa no bar foram importunadas por homens e Clara no impulso deu um beijo em Helena na frente deles para que eles a deixassem em paz. As atrizes chegaram a gravar um beijo de verdade entre as duas para um outro episódio, mas a Globo censurou quando o episódio foi ao ar. Recentemente saiu um resumo na internet para os próximos capítulos e nele diz que Theo (marido de Clara) ao saber da relação das duas, irá tirar proveito da situação, mesmo sabendo da traição, ele ficará excitado em fetichizar as duas e acabará indo para a cama com a esposa.

Vocês sabem o que os casais Clara e Marina e Clara e Helena tem em comum? As duas Claras são, até então, héteros, casadas, e que por algum motivo o relacionamento não funciona mais e acabam se apaixonando por uma mulher assumidamente lésbica. O casal Marcela e Marina também se envolveu em relacionamentos héteros durante a trama.

Para o mundo do entretenimento, é basicamente assim que retratam o relacionamento entre duas mulheres, são sempre mulheres casadas com homens e alvo de objetificação e fetichização entre eles, sempre precisam provar para eles que estão em um relacionamento homoafetivo.

Essa objetificação traz graves consequências para as mulheres lésbicas, pois são tratadas como inferiores e desvalorizadas. Isso leva a um aumento do assédio sexual, discriminação e violência contra a comunidade. Além disso, a fetichização da mulher lésbica invalida sua identidade e nega sua autonomia sexual.

Nós, mulheres lésbicas, queremos representatividade sim, mas uma representatividade que de fato nos represente. Nós vivemos e amamos como qualquer outra pessoa, temos o direito de nos relacionar com quem quisermos. Mulheres lésbicas não precisam se decepcionar com um homem para até então desenvolver sentimentos por outra mulher.

E tem mais uma questão, a censura, desde sempre vimos abertamente na TV cenas praticamente explícitas de sexo entre casais héteros, cenas de abuso e violência, cenas de beijos de verdade. Quando se trata do relacionamento entre duas mulheres, o beijo que mais é um selinho, dura segundos e muitas vezes é censurado. Em 2014, o primeiro beijo entre Clara e Marina foi ao ar somente no dia em que Marina pede Clara em casamento, as atrizes eram aconselhadas a desenvolverem o amor das personagens através de olhares.

E agora, em pleno 2023, tivemos uma cena censurada do beijo entre Clara e Helena. Menos de uma semana depois, a Globo censurou o beijo entre Olga (Camila Pitanga) e Ivona (Elisa Volpatto) na série Aruanas, que está em exibição na TV aberta. No Globoplay, a cena dura dez segundos.

A Globo justificou a censura como “a novela sofre recortes para ir ao ar” e a emissora teme que os casais sejam rejeitados pelo público mais conservador. Mas não censura cenas de violência, assédio, e beijos picantes entre um casal hétero na novela das 19h, que crianças e adolescentes também fazem parte deste público.

Para combater a objetificação da mulher lésbica, é necessário um esforço conjunto da sociedade como um todo. É fundamental educar as pessoas sobre a diversidade sexual e de gênero, promovendo a empatia, o respeito e a valorização da individualidade de cada pessoa.

É necessário que os meios de comunicação retratem as mulheres lésbicas de forma mais inclusiva, deixando de censurar as cenas, respeitando sua dignidade e evitando estereótipos prejudiciais. Isso envolve a criação de narrativas mais complexas, que vão além da representação unidimensional, hipersexualizada. A sociedade precisa desconstruir os padrões patriarcais, combater a objetificação e promover a igualdade de gênero em todos os níveis. Ao reconhecer o valor intrínseco de cada indivíduo, independentemente de sua orientação sexual, estaremos caminhando em direção a uma sociedade mais justa, inclusiva e livre de preconceito, objetificação e fetichização.

Por: Débora Barroso

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