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Temos que ocupar e pacificar corações

O problema da participação das pessoas na violência enquanto perpetrador envolve todas as áreas da vida em sociedade: economia, acesso à renda e ao emprego, à educação, escolaridade, evasão, capacidade humana da escola de atrair e manter, questões familiares e psicológicas, dependência química, entre outros. Temos então uma constelação de problemas, mas alguns aspectos são constitutivos e estruturantes como as desigualdades que remetem para um âmbito bem mais amplo, inscrevendo bairros – e até regiões inteiras como a Baixada -, num sistema de desigualdades pelo qual ela paga um preço.

Na minha experiência pessoal, tanto no poder público como no movimento social, posso afirmar que temos que investir em políticas preventivas que dispute os territórios e seus moradores – principalmente os mais jovens – com as origens das violências. Está é maneira mais eficaz de ocupar e pacificar.

Já passou a hora de ancorar políticas sistêmicas de segurança pública que busquem o enfrentamento da violência nos programas sociais. Sistematizar, organizar e articular tudo isso e oferecer principalmente aos jovens mais vulneráveis, oportunidades de valorização e de reconhecimento. O retorno à escola e o acesso futuro ao emprego é fundamental, mas se esse jovem não se reconhecer como ser humano dotado de valores, não se sentir amado, querido, respeitado, não podendo amar-se, a partir dessa experiência de afeto e reconhecimento, não se consegue trazê-lo para a sociabilidade construtiva. Além da educação, é através do esporte e da cultura a experiência que faculta isso. É na participação e criação, tornando o indivíduo capaz de encontrar o olhar do outro atento, reverente, o mérito, o seu valor reconhecido. Sempre afirmamos isso. Então, por mais que corra o risco de parecer ingênuo diante das atrocidades da dinâmica da falsa guerra entre policia, bandido e a população. A proposta é chegar ao fundo desta sociedade perdida no ócio com a oportunidade da criação, da valorização, isto não é tão difícil. Não custa tão caro, não exige ourivesarias, exige delicadeza.

Temos que reverter o quadro das cidades para cima, com experiências locais viáveis e imediatas. Pois depois de trinta anos de enfrentamento continuamos ainda a enxugar gelo e perdendo vidas. Logo, não será metralhando comunidades e seus moradores que vamos acabar com o crime e suas dinâmicas de violência. Assim, a proposta do capitão aloprado, quanto dos generais interventores, estão fadados ao mesmo resultado.

| Artigo publicado no Jornal de Hoje de fevereiro de 2018 | Atualizado dia 10 de junho de 2022.

Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa