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Assassinato do Mestre Môa do Katendê

Salvador, 29 de outubro de 1954 — Salvador, 8 de outubro de 2018 — Esses dados marcam o período de vida de uma das figuras mais influentes no cenário da capoeira e da cultura afro-brasileira. Romualdo Rosário da Costa, mais conhecido como Mestre Môa do Katendê, foi um renomado compositor, percussionista, artesão, educador e mestre de capoeira brasileiro.

Mestre Môa, considerado um dos maiores mestres de capoeira de Angola da Bahia, iniciou sua jornada na arte da capoeira aos oito anos de idade, no terreiro de sua tia, o Ilê Axé Omin Bain.

Sua trajetória brilhou não apenas na capoeira, mas também na música e na promoção da cultura afro-brasileira. Em 1977, ele se consagrou campeão do Festival da Canção do bloco Ilê Aiyê. Além disso, em 1978, fundou o afoxé Badauê, e em 1995, o grupo Amigos de Katendê. Mestre Môa era um defensor fervoroso do processo de “reafricanização” da juventude baiana e do carnaval, seguindo as propostas de Antonio Risério.

No entanto, a vida de Mestre Môa foi tragicamente interrompida em 8 de outubro de 2018, quando ele foi brutalmente assassinado com doze facadas pelas costas, logo após o primeiro turno das eleições gerais daquele ano. Segundo testemunhas e a investigação policial, o ataque foi motivado por discussões políticas, depois que Romualdo declarou ter votado em Fernando Haddad, candidato adversário de Jair Bolsonaro, apoiado pelo agressor. Este retornou à cena com um facão, deferindo pelo menos 12 facadas na vítima, que infelizmente não resistiu aos ferimentos.

A morte de Mestre Môa do Katendê provocou uma onda de homenagens de artistas brasileiros e internacionais, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Roger Waters. Grupos de capoeira e movimentos culturais africanos realizaram homenagens em Salvador, Recife e São Paulo. Até mesmo o grupo musical BaianaSystem prestou uma homenagem na faixa “Navio” do álbum “O Futuro Não Demora”.

Mestre Môa foi finalmente enterrado no Cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador, no dia 8 de outubro de 2022. No dia 13 de outubro, familiares e amigos se reuniram para celebrar a missa do sétimo dia na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, mantendo viva a memória e o legado desse ícone da cultura afro-brasileira.

O assassinato de Moa

Moa foi uma das primeiras vítimas do fascismo legitimado pela era Bolsonaro, um dia depois do primeiro turno das eleições de 2018. O motivo de ser assassinato, quando o mestre declarou seu voto ao então candidato Fernando Haddad (PT) e criticou o adversário, o hoje presidente Jair Bolsonaro (PL).

Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, que assinou de Moa na madrugada de 8 de outubro 2018, afirmou em depoimento na polícia que não cometeu o crime por conta da divergência política, e sim porque foi xingado após se desentender com o capoeirista.

Conforme investigação, depois da discussão e da troca de ofensas no bar que estava Moa, Paulo Sérgio foi em casa, pegou uma faca e voltou ao estabelecimento. Ele relatou que entrou em luta corporal com o mestre de capoeira antes de esfaquear a vítima. No entanto, as testemunhas ouvidas pela polícia não confirmaram a versão do suspeito.

Paulo Sérgio disse que tinha consumindo bebida alcoólica desde o início da manhã de domingo e que estava arrependido do crime. Foram 12 facadas que acabou com a vida do mestre de capoeira, compositor e dançarino baiano de 63 anos.

Legado e Transformação na Comunidade de Salvador

O Mestre Môa do Katendê tinha um sonho: construir um espaço próprio na comunidade Dique Pequeno, em Salvador, onde pudesse promover a capoeira e a cultura afro-brasileira. Com o apoio de mestres de capoeira e amigos, ele e sua família iniciaram a construção do Instituto Mestre Môa do Katendê. Um projeto financiado de forma independente, uma vez que não contava com a palavra do governo.

A importância de Môa na comunidade foi tão significativa que o colégio estadual Victor Civita foi renomeado em sua homenagem, passando a ser conhecido como “Môa do Katendê”. Essa mudança foi resultado de uma petição da comunidade escolar, dos moradores do Engenho Velho de Brotas e do movimento negro ao governo estadual da Bahia. O rosto do Mestre passou a ser visto em diversos grafites pelos muros de Salvador, tornando-se um símbolo de sua luta e legado.

Após seu falecimento, dois documentários foram produzidos para contar a história de Romualdo, o Mestre Môa do Katendê. O documentário “Quem vai quebrar a máquina do mal?”, dirigido por Carlos Pronzato, traz entrevistas com pessoas próximas e testemunhas do crime que o vitimou, destacando sua importância na comunidade.

Outro documentário, intitulado “Môa, Raiz Afro Mãe”, produzido pela Kana Filmes e dirigido por Gustavo McNair, estava em produção antes da morte do capoeirista e tinha previsão de lançamento em outubro de 2022. Além do filme, o projeto inclui o álbum ” Raiz Afro Mãe”, com músicas autorais de Môa, produzido pela Mandril Audio, sob a direção musical de Rodrigo Ramos, também com lançamento previsto para o mesmo ano. Essas iniciativas visam eternizar o legado de Mestre Môa do Katendê e continuar a disseminação da cultura afro-brasileira em Salvador e além.

Documentário

A trajetória de Moa do Katendê foi recontada no documentário “Mestre Moa do Katendê – A primeira vítima”, o filme traz o legado dessa expressão cultural deixada pelo professor e também denuncia seu assassinato – a facadas, por um eleitor do candidato a presidente Jair Bolsonaro.

Produzido pelo Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira na Bahia e pela Associação Brasileira de Capoeira Angola, contou com apoio do Sindae – Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto no Estado da Bahia. O filme, que tem 45 minutos e é composto por recorte de discursos, como o próprio diretor define.

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa