Entrevistas

Entrevista Adriano Dias para FMZ

Reprodução da entrevista para FMZ: Adriano Dias é um velho conhecido, e parceiro aqui do FMZ. Militante nas áreas de Direitos Humanos e da Cultura, já contabiliza anos de luta política. Participou de bandas e, à frente da ONG ComCausa, levantou bandeiras como a da Alienação Parental. A história de Adriano cruzou com a do FMZ há alguns anos, na época do surgimento da campanha Jovem Fica Vivo, criada por ele e para qual este fanzine foi convidado a participar, ao lado de outros músicos e figuras ativas no cenário underground Fluminense. A seguir, você conhece um pouco mais dessa figura importante na luta política na Baixada Fluminense. Vamos ao papo que batemos com ele!

Veja a postagem original no Feira Moderna Zine.

01) Pra começar, fale um pouco de sua história, conta pra gente como a música e a militância política entraram na sua vida.

  • Devo ao heavy metal e ao punk rock do inicio dos anos 1980 tudo que acho que fiz de legal na vida. Ao Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão, Garotos Podres, Inocentes, Metallica, Venom, Motorhead, Maiden, Saxon e todas outras bandas que não tinha como comprar os discos, ou não tinham discos lançados no Brasil. A música me abriu os olhos e canalizou a minha revolta de adolescente da Baixada Fluminense que se sentia excluído, e era excluído. A militância política, posso dizer que teve até data, abril de 1985. Imagina um moleque de 15 anos andando no meio da rua, pois o esgoto corria a céu aberto em valas nas laterais da estrada de barro. Passa o ônibus que joga para alto a poeira que encobre o pouco que eu tinha de estima naquele dia. Debaixo do meu braço o primeiro jornal eu comprei por iniciativa própria. Usei o dinheiro que era do biscoito do lanche. Uma dura escolha, fui de madrugada no médico e o jejum durou de 4 da manhã até quase 17 horas. Na capa do ‘O Globo’ a notícia dada pela TV na noite anterior, “Morreu Tancredo”. Começou tipo assim. Anos depois aconteceu a ideia da criação do fanzine Consciência Nacional, ou CN Zine. Depois fui roadie do Desordeiros, criei uma banda punk chamada FDK, e uma de death, a Convultion, no qual fizemos alguns shows entre 1987 e 1991. E fiz um show com o Gangrena no Garage, em 1992. Depois fui produzir alguns eventos e cuidar da vida. Montei uma empresa de informática em 1990 e acabei trabalhando na política pública no Rio, Brasília e Nova Iguaçu entre 1998 e 2009.

 

02) E o surgimento da ComCausa, como se deu?

  • Considero a galera do rock como movimento social, não somente aqueles que vieram das associações de moradores, dos sindicatos ou da teologia da libertação da igreja católica daquela época. Sempre participei de tudo. Era radical, era de esquerda, eu tava lá! Antes de 2013, na ultima grande manifestação no centro do Rio, em 1987, estava eu lá dando coturnada em tropa de choque e correndo do “brucutu” (veículo da policia para enfrentar manifestações). Era meu ponto de vista punk da vida. Com o tempo, o amadurecimento profissional e político, fui adequando meu entendimento de mundo e militância. Somente com mais de 30 anos, depois de trabalhar no Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu e na Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo (PIDHDD) fui ter entendimento do que era de fato a amplitude dos direitos humanos. Daí veio a ComCausa, a institucionalização de minha militância e de tantas outras pessoas, um instrumento de luta. Foi fundada em 2003, mas somente em 2007 assumimos a bandeira da cultura de direitos. Foi uma refundação, assim, considero que fazemos 10 anos em 2017.

03) E como é trabalhar com Direitos Humanos? Parece ser uma área de atuação da qual, no fundo, a população de uma forma geral sabe muito pouco. Confere?

  • Me assusta ver que “BolsoMinons”, principalmente jovens, repetindo como papagaios “Bandido bom é bandido morto”; “Esses defensores de bandido… quero ver quando for assaltado”, entre outros bordões prontos como “intervenção militar!”. Pedem isso, mesmo com todo o conteúdo e discussões disponíveis em internet, com acesso a escolas melhores e sem as restrições da censura. Os direitos humanos são, em nosso país, como algo que atrapalha o combate ao crime? Estranho é que parece existir um movimento para manter essa concepção. Talvez se trate de uma maneira de apequenar e colocar a discussão em questões pontuais, como da violência, em detrimento de uma universalidade de exigências que hoje compõem o cumprimento dos direitos humanos. Exigibilidades que, se respeitadas, mudariam toda a conjuntura da sociedade como a conhecemos hoje. Por exemplo, imaginem se todos os policiais do Rio de Janeiro exigissem seus direitos humanos a um salário digno e condições – equipamentos, treinamento, entre outros – adequados a sua segurança? Imaginem se todos os professores, alunos e pais exigissem uma escola com direitos humanos? Pergunte aos mais velhos como era a Baixada Fluminense, como era nas periferias na ditadura militar? A soma de violência, mais poder, igual a controle territorial. Não por acaso os operadores das matanças a mando dos poderosos e militares, posteriormente se tornaram vereadores, deputados e prefeitos. Mas neste lugar onde só se via miséria e violência, tinha gente de coragem com alto valor moral e humanístico fazendo a resistência pacífica. Pessoas como o Bispo da Diocese de Nova Iguaçu Dom Adriano Hipólito, que por conta da defesa dos direitos humanos foi espancado e deixado nu pintado de vermelho pelas ruas. Mas quantos sumiram ou foram mortos? Não sabemos, vivíamos uma ditadura e os pobres da Baixada, assim como das periferias sociais do Brasil, são os “morríveis”, sem direito a vida. Na ComCausa sempre fui o responsável pelas questões de violência letal, dos assassinatos, famílias, mães que perderam filhos. Nosso empenho, como pessoa e pela ComCausa, é que direitos humanos seja uma questão de vida, de alegria. É celebrar no show de rock, é ter emprego e salário, educação e saúde, é poder pensar e se expressar, amar quem quiser como quiser.

04) A questão da Alienação Parental é outra de suas bandeiras. Ao menos eu, tenho muito pouca informação a respeito. Ainda é um tema negligenciado pela sociedade, veículos de comunicação? Que avanços tivemos no tema nos últimos anos?

  • Desde que meu filho tinha pouco mais de um ano passei ter seguidas tentativas de me afastar dele por parte da mãe, de namorados, família e até gente do trabalho dela. Tenho uma vida inteira de militância e fui denunciado por ameaça na Lei Maria da Penha, tendo como testemunhas dessa minha “agressão” colegas dela trabalho e namorados da mãe que sequer me conhecem. Foram quase uma centenas de todos tipos de ataques para tentar me afastar do meu filho nos últimos cinco anos. Quando fiquei sabendo o que era alienação parental pela minha companheira, a Fernanda Torres, em 2012. Decidi então canalizar o sofrimento de ter a infância do meu filho roubada em luta. Primeiro conseguimos ajudar a desconstruir a associação da alienação parental como coisa de mulher, o que não é. Culpa da cultura da guarda unilateral (que um dos genitores é o guardião jurídico do filho). Acho que conseguimos superar esta visão machista e focar no principal que é o bem estar da criança. Segundo foi o movimento pela lei da guarda compartilhada que participei junto com milhares de pais e mães pelo Brasil, e que foi aprovada no final de 2014. Ajudei na criação de uma Lei Estadual, a 222/2015, de prevenção da alienação parental e agora estou no movimento pela criminalização, o PL 4488. Meu empenho é ampliar a responsabilização não somente de quem aliena, mas principalmente quem participa e ajuda a na prática da alienação parental. Estes têm que ficar mais tempo na cadeia e pagar para ajudar a reparar os danos provocados a criança.

05) Você foi candidato a prefeito de Nova Iguaçu nas últimas eleições. Conte como foi essa experiência? O saldo foi positivo?

  • Cara. Eu queria ter criado uma banda histórica ser igual ao Jello Biafra (vocalista do Dead Kennedys, Jello biafra, prefeito de São Francisco, em 1979), mas só consegui ser candidato a prefeito de uma cidade grande igual a ele. Na verdade, com o reconhecimento da REDE Sustentabilidade como partido e sua participação nas eleições municipais houve o convite que eu fosse candidato a prefeito por gente que respeito muito. Sabia que não teria qualquer estrutura financeira para a disputa então resolvi cumprir a missão de contribuir para que houvesse um debate de cidade, nisso fomos vitoriosos, a ponto que tivemos linhas inteiras de nosso plano de governo e até as frases e proposta copiadas por alguns marketeiros dos outros candidatos com mais grana. Então estávamos certos. Foi uma experiência dura, pois eu estava em um momento muito difícil da vida, mas de um grande crescimento e aprendizado pessoal, conheci muita gente nova. Fiquei mais de dez anos longe da política partidária, e até preconceituoso com a política. Hoje, aconselho a qualquer velho punk a se candidatar e colocar suas ideias de uma sociedade melhor na política partidária.

06) De volta a ComCausa, e a seu envolvimento com o cenário musical. Como surgiu e quais os planos pro futuro do Rock ComCausa e o Jovem Fica Vivo?

  • Hoje procuro atuar como um assessor da ComCausa, que está se dividindo em várias ramificações conforme as pessoas estão entrando reestruturando a instituição. Que voltei a chamar de movimento. O Rock ComCausa sempre foi uma iniciativa de misturar debate com música, principalmente a vertente cultural que provocou a criação da ComCausa, reafirmando, se não é a o rock no início dos anos 80, eu não seria eu, e acho que não haveria a ComCausa. Vamos retomar a articulação com bandas e espaços de show e comunicação. Assim como foi o princípio do Jovem Fica Vivo, é uma provocação para a reflexão, a galera velha e nova tem que pensar em propagar uma cultura de paz, e onde melhor do que em um show de rock!

07) Levando em conta o momento político pelo qual o Brasil passa. Como você tem percebido o meio underground diante disso tudo? Me parece que há um certo receio desses artistas em se posicionar, o que seria a coisa mais natural do mundo. O que acha?

  • Dor de corno de geral. O que é esquerda? O que é direita? O país teve avanços importantes e áreas sociais, educação, redução da pobreza e até aumento de consumo. O problema é que a galera que fazia isso continuou com os mesmo esquemas de corrupção da ditadura militar. Quer fazer obra? Só pagando propina! Neste ponto toda a parte positiva dos governos mais progressista que tivemos foi para o ralo em uma pernada de anão. De fato, o maniqueísmo político acabou. Não tem os do bem e os do mal. Por isso é que as pessoas tem medo de se posicionar. Melhor para a malandragem que está na política, quanto mais gente fora da política partidária, fazendo palhaçada em rede social, pagando de politizados, melhor para o Cunha e seus aprendizes de feiticeiros. Acho que temos que voltar as trincheiras culturais, começar de novo, ocupar terreno e resistir. Seja da forma que for, mas influenciar por dentro, reconstruir.

08) E qual o balanço que você faz de todos esses anos de luta política? Tudo que já fez, os resultados, conquistas, enfim. Saldo positivo?

  • Uma coisa que me orgulho é que até eu, um cara da Baixada Fluminense, já ajudou a construir políticas públicas nacionais na antiga Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, mas no dia seguinte estava pisando na lama, ou em uma delegacia garantindo o atendimento pela polícia, no sarau promovido pelos movimentos culturais ou nos shows de rock das periferias. Acho que tem ser assim, “faça você mesmo, faça pra valer” como escreveu o Redson. Acho que conseguimos construir paradigmas, ajudar em conceitos novos, não falando, mas fazendo. Pode ser em um debate para três jovens sobre homofobia em uma igreja evangélica na Baixada, ou no Congresso Nacional propondo emenda para um deputado autor de uma lei. Se eu faço, todo mundo pode se empenhar para fazer. Dá seu jeito. Se vai dar certo ou não é outra história, mas faça!

09) Partindo do princípio que, em tese, seria muito mais fácil ter uma vida “normal” (vai saber o que quer dizer isso..rsrsrs). O que faz com que alguém dedique sua vida a causas humanitárias?

  • Acho que a vida só vale a pena se fizermos algo para o próximo… não espere reconhecimento, espere criticas. Mas acho que vale a pena.

10) É isso. Muito obrigado pelo papo, Adriano! Considerações finais?

  • No mais, “Punk Rock é vida, é autonomia”, estou com 47 anos e espero ainda entrar na roda por mais uns 30 anos.

– Por Rafael Almeida do Feira Moderna Zine em 2017

Veja também entrevista Adriano Dias para UFF:

Atualizado 2022 > Publicado originalmente em 22 de fevereiro de 2017.

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