Entrevistas

Entrevista Mister Catra

Nascido e criado da comunidade do Catrambi, que divide a mesma chapada do Morro do Borel, Wagner Domingues da Costa, o Mr. Catra e um cara respeitado e comprometido com as comunidades do Rio de Janeiro. Suas letras de rap, o suiwng e a linguagem do funk traduzem esse comprometimento com a verdade desta parcela da população negra, pobre e favelada que não tem espaço nos meios de comunicação da grande mídia. Mas uma das quebras desta barreira, o trabalho das rádios comunitárias e a invasão dos bailes funks, Catra utilizou para divulgar sua música, já que a mídia e a sociedade a relacionam ao crime atribuindo culpa a favela pela violência a que todos estamos expostos. A música de Catra revela este cotidiano de injustiças e a verdade que esta sociedade se recusa a ouvir.

Realidade Sem Caô “…o cara que rouba dinheiro do INPS, faz conchavos e banca parada errada com dinheiro público é mais assassino do que o traficante mais sanguinário que existe, porque a falta deste dinheiro que ele roubou mata muito mais gente do que se ele estivesse matando na rua.”

Suas influências musicais passam de Jimi Hendrix e Judas Priest, quando participava da banda de rock Beco, ate George Clintom e James Brow. Há dez anos atrás conheceu a consciência do rap com o Dj Leandro, hoje produtor do seu próximo disco, e o mundo do funk com o MC Duda do Borel, as palavras de ordem de paz, dignidade e liberdade, o que hoje e distorcido pela mídia. Do rock and roll ao funk e o Hip Hop Catra sempre foi atraído pelas letras de protesto. Se apresenta tanto nas periferias da Baixada Fluminense, interior do estado e favelas cariocas como nas melhores casas noturnas da zona sul.

Você sempre se envolveu com músicas de contestação?

– Faço o meu trabalho tentando alertar, conscientizar, mostrar a realidade, a verdadeira realidade, não esta realidade que o pessoal mostra aí… Hoje em dia o certo passa pelo errado e o errado pelo certo… os maiores bandidos da nossa sociedade são vítimas dela própria. Como é que pode, bandido ser vítima? Nesta sociedade, da mídia desenfreada, do capitalismo selvagem, se você não tiver um Nike, um carro do ano você não é ninguém, uma boneca Barbie, um vídeo game, mas como um assalariado vai comprar um vídeo game pro filho? Esses bagulhos causam traumas irreversíveis e mudam o caráter de muitas pessoas. Induzindo as pessoas a querer, querer… Isso faz mal, prostitui as nossas meninas, marginaliza os meninos. Infelizmente eu acho que os caras podiam ter uma luta muito mais bonita, mais consciente, sem arma nem drogas. Tinha que ser um lance político para conscientizar as comunidades, mas sem verba não tem como fazer nada, todo mundo sabe que a gente vive num país capitalista, e nessas condições a única luta que sobrou para eles foi esta… não estou defendendo traficante, porque até o traficante sabe que o tráfico é errado. Ele não quer que o filho dele cheire, fume, e não quer isso pro seu filho também. Mas está lá, não bota anúncio no jornal, nem na televisão nem no rádio, compra quem quer, e esse é o único direito de defesa que lhe sobrou (…) vou te falar, o cara que rouba dinheiro do INPS, faz conchavos e banca parada errada com dinheiro público é mais assassino do que o traficante mais sanguinário que existe, porque a falta deste dinheiro que ele roubou mata muito mais gente do que se ele estivesse matando na rua. Fernandinho Beiramar, Elias Maluco onde eles são chefões do tráfico? Chefão do tráfico é quem atravessa tonelada para Europa, quem traz fuzil para o morro, que você nem sabe quem é e ainda chama de doutor.

O que e a cultura Hip Hop para você?

– Rap é realidade do que você vive. Acho que as pessoas deviam tratar o rap com mais seriedade, não é querer ser popstar, que a intenção de quem quer trabalhar com o rap não é ser popstar, é melhorar o todo. A gente tem que se ligar na responsa do rap, e no Rio de Janeiro é muito hipócrita muita gente fazendo pose, muita gente envolvida que não tem uma idéia íntegra da parada, dizendo que é gangstar e nunca roubou ninguém. Você falar do bagulho que você vive e que você é uma coisa, mas falar de um bagulho que você sabe é outra coisa bem diferente. O rap é realidade, não adianta ficar catando assunto. (…) Na moral, o grafite invadiu, é a arte literária das ruas. A gente não escreve um livro só com letras, escreve com figuras e música, e é um livro muito mais interessante. O grafiteiro vem fazendo um livro pela rua e vai se ligando quem quer.

E o movimento funk?

– O funk é um problema, o artista é o mais mal remunerado, não investem em nada, só querem dinheiro e não se unem pra fazer algo decente, bom para todos. A minha sorte é que as rádios comunitárias me abraçaram. O funk é uma fábrica de MCs, onde não existe direito autoral, sugam e jogam fora. Como é que vai proibir o um Movimento cultural? Baile em favela não precisa nem de autorização.

Como você encara essa onda de violência e o cerco as favelas cariocas?

– A sociedade atribui á outros fatores, mas quem traz arma e droga pro morro não são os caras de lá. Alguém traz lá de fora. Está todo mundo envolvido, e aí é mais fácil atribuir a parte mais fraca, que é a favela. Será que aquele cara que está lá dentro da favela é culpado da violência? Eu não acredito na lei dos homens, é a lei mais injusta do mundo. Porque se justiça fosse feita nós não estaríamos nesta escravidão até hoje. Porque quem trabalha por um salário mínimo é escravo no Brasil, um senhor de engenho gastava muito mais do que um salário mínimo para manter um escravo. O que rege a constituição, saúde, educação, lazer, cultura… vai fazer isso com um salário mínimo e uma família para sustentar, faz isso com cinco salários mínimos, não dá. Então que hipocrisia é essa? Estão querendo me julgar? Meu povo sofreu, foi fome, sangue e suor, a igreja católica tem um montão de terras pelo Brasil, e ainda querem falar de crime? ? Queimaram um montão de gente viva e depois vieram pedir desculpa aí… A igreja católica foi que inventou o microondas, tô mentindo? (…) Quais os heróis que nos temos? Duque de Caxias? Bêbado, estuprador, matou um montão de preto no Paraguai. Dom Pedro I vê legal, ninfomaníaco, tarado, morreu cheio de doença venérea… Está no livro meu amigo, olha os heróis que ensinam pro teu filho. A história do Brasil devia ser inquérito policial. Eu estou no Brasil Hoje, mas poderia estar na África, poderia ser um príncipe… A gente está aí pagando a invasão, pros portugueses, depois para os ingleses agora para os americanos. O brasileiro já nasce devendo 1200 dólares como é que pode isso? Ainda querem falar de crime comigo?

O que você espera do novo governo?

– (canta) Se liga meu mano / Você sabe como é / muita fé / muita fé / quem não fez quando pode / não fará quando puder. Espero que o Lula seja um cara que pense como povo. Porque tudo anda conforme a política, inclusive o “poder paralelo”, porque se sufoca a favela o asfalto ta terrível. Se tranqüilizar a favela o asfalto ta calmo, todo mundo sabe disso.

Uma das suas músicas mais tocadas é “Simpático”, qual a discussão dela?

– “Simpático” é aquele cara “simpatiquinho” que só fortalece quem está podendo e esquece do pacato, esquece do humilde. Quer um exemplo, Antony Garotinho, um cara que era da gente e quando chegou lá esqueceu isto. Outro “Simpático”, Benedita da Silva, que se simpatizou no final de tudo. Tinha que representar, não assumiu a postura de negra e favelada que ela era, fez o jogo da TV Globo.

E seu próximo trabalho.

– Vou falar do Rio de Janeiro, de criança, de política (…) Chega, tá ligado, o gringo vem aqui bota anúncio na tv, pega um montão de discos, leva 78% do que você ganha e 12% vai de imposto. E você come o quê? Tô legal, agora meu lance eu mesmo vou fazer, vou distribuir, porque meu público está aí e eu faço o meu trabalho com o maior carinho para ele.

| Publicado no jornal Alternativo ComCausa – Junho de 2003

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa

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