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Familiares lembram-se do 31 de março

Na noite do dia 31 de março de 2005, Raphael da Silva Couto de 17 anos estudante voltava de bicicleta juntamente com ajudante de pedreiro, William Pereira dos Santos, de 20 anos, voltavam de bicicleta do centro de Nova Iguaçu – no sentido bairro Cerâmica -, quando foram abordados por um carro Gol prata na esquina da Via Dutra com a rua D, no bairro da posse. Os integrantes do carro saíram e efetuaram diversos disparos contra os dois jovens. Era o início da maior matança perpetrada por agentes do estado do Rio de Janeiro.

A ação seria uma resposta ao comando da polícia pela “operação Navalha na Carne”, que colocou em detenção mais de uma centena de policiais e levou vários outros a prisão por envolvimento em ações criminosas.

Ainda na noite do dia 31 de março, a mãe de Raphael, Luciene Silva, ficou sabendo que várias pessoas haviam sido assassinadas em Nova Iguaçu e Queimados. Luciene achava que seu filho estava seguro na casa de amigos. A falta de comunicação e as diversas versões do ocorrido colocaram as duas cidades em situação caótica. “Na manhã seguinte as pessoas estavam desorientadas diante do episódio. Era nítida na perplexidade de parentes, vizinhos e das autoridades” – disse Adriano Dias da ComCausa, que somente retornou a região no dia primeiro de abril – “Nos locais onde aconteceram as mortes a população externava o medo que se traduzia em agressividade. A chacina alvejou também a possibilidade do exercício da cidadania e da solidariedade. Entender, e talvez ajudar o próximo, parecia ter se tornado um risco à vida, ou, ao menos esse parecia ser o desenho do imaginário coletivo”.

Diante de informações desencontradas e do clima de medo instalado na região, Rodrigo e Roni, irmãos de Raphael, constatam que ele não tinha ido dormir na casa de nenhum amigo. Ao irem a uma banca de jornal, veem na capa de jornal uma foto do irmão morto. Os dois são os responsáveis por contar para seus pais, Luciene e Carlos, sobre o assassinato.

Luciene se tornou uma referencia na luta contra a violência na Baixada, já ajudou e acompanha outras mães e familiares em sua dor: “Foi esta melhor maneira que eu encontrei de lidar com essa dor foi me doando, tirando essa revolta do meu coração através da ajuda de outras pessoas”.

Em Queimados, Silvana Azevedo é informada que várias pessoas teriam sido assassinadas em três locais da cidade. Logo comenta que os crimes deveriam ter sido de autoria de um grupo de extermínio que atuavam na região e que todos os fins de semanas faziam vítimas, sem serem importunado pelas autoridades. Mais tarde, na mesma noite do dia 31 de março, Silvana foi informada que seu irmão Renato Azevedo dos Santos, de 30 anos, tinha sido morto quando fechar o lava-jato na Avenida Vereador Marinho de Oliveira, na principal via de acesso ao centro de Queimados. Renato foi alvejado na nuca e sequer viu aproximação de seus assassinos.

De todos os irmãos Silvana, também conhecida como Nem, foi a única que se dedicou a militância participando e organizando caminhada atos e em julgamento e julgamentos. Ela diz que tem medo e se pudesse sairia da Baixada. Silvana conta que a mãe de um dos autores, o ex-PM Amaral, alega que ela é que “condenou seu filho a mais de 500 anos de prisão”.

Único sobrevivente

Em Nova Iguaçu, por volta das 21 horas, Cledivaldo Humberto chega do trabalho e vai até um bar na Rua Gama, próximo ao bar Caíque. Pede uma cerveja, mas mesmo antes do primeiro gole escuta vários disparos. “Eu pensei que era um acerto de contas entre bandidos, empurrei minha esposa para o fundo do bar, quando o carro prata parou e por sobre o teto uma pessoa saiu e deu um único tiro que quase arrancou a minha perna”.

O senhor Cledivaldo foi o único sobrevivente dos trinta baleados daquela noite. Após o tiro, foi levado para o Hospital da Posse e cercado de um forte aparato de segurança para não ser assassinado. Ficou 2 anos e 6 meses de cadeira de rodas e muleta. Como a pequena pensão do Estado, voltou a morar no mesmo local da época em que ocorreu a chacina da Baixada. O tiro lhe deixou várias sequelas de saúde além do sentimento de medo constante: “Ainda não consigo ficar tranquila ouvir um policial na rua”, diz o aposentado.

No bar Caíque, próximo à casa do Senhor Credivaldo, foram assassinadas nove pessoas. Foi o local com maior número de mortes. Ele diz que atravessa a rua e vira o rosto para não se lembrar das vítimas daquela noite. Muitas delas adolescentes como Douglas Brasil, Felipe, e Leonardo de 14, 13 e 15 anos, respectivamente.

Para o fundador da ComCausa, Adriano Dias, falar sobre a violência de grupos organizados de extermínio na Baixada somente pelo olhar policial, da punição judicial, é focar na consequência e não na causa. “Não discutir a história que levou até as atuais circunstâncias, e os fatores sociais e políticos que parecem legitimar a violência, é diminuir o debate e provavelmente não vai levar a uma solução”. Adriano lembra que na verdade a chacina da Baixada começou no dia 30 de março de 2005, noite de 4ª feira, quando policiais decapitaram duas pessoas e atiraram a cabeça de uma delas para dentro do 15º Batalhão da Polícia Militar – em Duque de Caxias -, que caiu sobre uma caminhonete da corporação, estilhaçando seu vidro. Os corpos dos homens assassinados foram localizados no bairro Centenário.

Mais de 500 anos de pena para os autores de chacina

​A grande repercussão do caso, ao contrário de outras chacinas do estado, como Acari, Vigário e Via Show, entre outras, provocou celeridade nos julgamentos, em menos de quatro anos depois do crime, os ex-PMs já haviam sido levados a justiça. Entre eles, Carlos Jorge Carvalho foi condenado a 534 anos de prisão pelas 29 mortes e 9 anos por formação de quadrilha; José Augusto Moreira Felipe foi condenado a 534 anos de prisão pelas 29 mortes e 8 anos por formação de quadrilha; Julio Cesar Amaral de Paula foi condenado a 534 anos de prisão pelas 29 mortes e 9 anos por formação de quadrilha; Marcos Siqueira Costa foi condenado a 474 anos de prisão pelas 29 mortes e 6 anos e seis meses por formação de quadrilha; Fabiano Gonçalves Lopes foi absolvido dos crimes contra a vida e condenado a 7 anos de prisão por formação de quadrilha.

Página de memória da Chacina da Baixada

Para lembrar as vítimas a ComCausa criou o Memorial eletrônico da chacina da Baixada (comcausa.net/chacinadabaixada) com a cronologia e fotos das vítimas, além de produzir uma vídeo cobertura da luta dos familiares.

Memorial das vítimas da violência

A fim de enfrentar o discurso que “direitos humanos é para bandido, não para polícia”, a ComCausa lançará vários portais com memorial das vítimas da violência, o ACOLHER (comcausa.net/ACOLHER), que entrará no ar no dia 29 de março. Além desse, será aberto um espaço eletrônico para os policiais assassinados no Rio. Segundo Adriano, “não entraremos no debate das condições que ocorreram – quem tem que apurar, são as autoridades. Além dos casos que fizemos algum tipo de acompanhamento, faremos o registro de todos os agentes de segurança assassinados no Rio a partir deste ano”. O portal ‘Memorial dos Policias Rio’ (comcausa.net/memorialpoliciaisrio) estará na internet no dia 30 de abril.

Outras atividades acontecerão até dia 02 de abril

​​Na manhã de sábado, dia 31 de março, familiares de vítimas junto com movimentos sociais promoverão a décima terceira caminhada em memória à chacina da Baixada. A concentração será na Rodovia Presidente Dutra a partira das 10 horas, na altura do bairro Explanada, e sairá no trajeto por onde as pessoas foram assassinadas em Nova Iguaçu, pelos bairros da Posse até a Cerâmica. Em cada local das mortes, será feita uma parada e prestado homenagens às vítimas. Já de noite, haverá o lançamento da campanha Jovem Fica Vivo 2018, no Subúrbio alternativo, no Rio.

Já na segunda, dia 02 de abril às 10h, na Praça dos Direitos Humanos, na Via Light, em Nova Iguaçu. Será inaugurado o ‘Memorial Nossos Mortos têm Voz’, pelas vítimas da violência de Estado na Baixada Fluminense.

| Fernanda T. Figueiredo

Comunicando ComCausa

Projeto Ponto de Cultura e Mídia Livre da ComCausa.

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