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86 anos do Massacre do Caldeirão

No dia 11 de maio de 1937, a Polícia e o Exército Brasileiro assassinou centenas de sertanejos seguidores do beato paraibano José Lourenço na fazenda denominada Caldeirão, situada no Crato, Ceará. O episódio ficou conhecido como Massacre do Caldeirão. a comunidade nordestina, foi acusada de “subversão comunista”, e dizimada por fuzilamentos e bombardeios.

A terra havia sido doada aos romeiros pelo Padre Cícero no final da década de 1920. Conhecida como Caldeirão dos Jesuítas, passou a ser chamada de Caldeirão da Santa Cruz do Deserto pelos romeiros. Desde 1926, a Fazenda de Santa Cruz do Caldeirão, localizada na área rural de Crato, abrigava uma comunidade de romeiros, flagelados da seca e camponeses. O líder da comunidade era um beato chamado José Lourenço, protegido de Padre Cícero.

O próprio religioso intermediou a concessão da fazenda, visando abrigar trabalhadores expulsos de uma propriedade vizinha que fora vendida. Padre Cícero passou a enviar aos cuidados do Beato Lourenço retirantes que buscavam suas bênçãos em Juazeiro do Norte.

Sob a liderança de José Lourenço, a fazenda funcionava como uma sociedade comunal, sustentada pela cooperação mútua e repartição igualitária da produção. Os moradores produziam quase tudo que necessitavam. No Caldeirão, cada família tinha sua casa e a produção era dividida entre todos. Na fazenda havia também um cemitério e uma igreja, construídos pelos próprios membros. A comunidade chegou a ter mais de mil habitantes. O modo de vida comunitário e a sociedade igualitária atraíram famílias de todo sertão que abandonaram o trabalho árduo nos latifúndios para ir viver no Caldeirão.

A notícia de que existia um “paraíso dos pobres” nos arredores de Crato, onde havia água, comida e abrigo assegurados para todos, começou a se difundir pela região. Durante a grande seca de 1932, a fazenda recebeu uma enorme leva de retirantes, o que fez dobrar sua população. Em seu ápice, a comunidade chegou a abrigar mais de 2 mil pessoas.

Testemunhando casos de trabalhadores que abandonaram suas ocupações para ir morar no Caldeirão, os fazendeiros começaram a se queixar. A comunidade passou a ser vista como estorvo pela elite de Crato e como uma ameaça ao modelo de exploração dos camponeses nos latifúndios. José Lourenço passou a ser vilanizado pela imprensa como um perigoso líder comunista que poderia articular uma rebelião e atentar contra a ordem pública. Assim, em setembro de 1936, policiais militares invadiram o povoado atrás do beato.

José Lourenço conseguiu evitar os policiais, escondendo-se nas matas da Serra do Araripe. A polícia incendiou as casas, saqueou os bens e expulsou os moradores do local. Os moradores, entretanto, retornaram para a fazenda aos poucos e começaram a reconstruir a comunidade.

Algumas semanas depois, o governo cearense enviou um novo grupo de onze policiais liderados pelo capitão José Bezerra para espionar a comunidade e procurar pelo beato. Quando os policiais foram descobertos, entraram em confronto com os camponeses. O tumulto culminou na morte do capitão, 3 praças e 5 moradores da fazenda. A morte dos soldados serviu de estopim para a repressão. A imprensa passou a publicar boatos de que “fanáticos” planejavam “invadir a cidade de Crato para destruir e matar todos os moradores”.

O governador do Ceará, Francisco de Menezes Pimentel, contatou Getúlio Vargas, afirmando que a cidade abrigava um núcleo de “subversão comunista”. Vargas incumbiu seu Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, de coordenar uma operação para neutralizar a suposta ameaça. Na madrugada de 11 de maio de 1937, 200 soldados do Exército Brasileiro munidos de fuzis e metralhadoras atacaram a comunidade, massacrando os moradores. Dois aviões também sobrevoaram a fazenda lançando bombas.

Os moradores que não morreram nos fuzilamentos e bombardeios foram caçados e degolados pelos soldados e por jagunços emprestados pelos coronéis da região. José Lourenço sobreviveu ao massacre e conseguiu fugir para Pernambuco, onde morreu alguns anos depois.

O número de mortos é até hoje desconhecido. Estimam-se 400 ou 700 mortos. Seus corpos não foram encontrados pois o Exército e a Polícia Militar do Ceará nunca informaram o local da vala comum onde foram enterrados. Presume-se que a vala coletiva esteja no Caldeirão ou na Mata dos Cavalos, na Serra do Cruzeiro (região do Cariri). José Lourenço conseguiu fugir para Pernambuco onde morreu aos 74 anos e foi enterrado em Juazeiro.

O Exército Brasileiro não guardou registros da operação e até hoje nega que o massacre tenha ocorrido. Em 2008, a ONG SOS Direitos Humanos entrou com uma ação civil pública contra o governo do Ceará e o Exército Brasileiro, solicitando que as autoridades revelassem o local da vala comum e procedessem à exumação dos corpos e à indenização dos familiares dos mortos e dos sobreviventes remanescentes, além de incluir o massacre na história oficial. A ação, entretanto, foi extinta sem julgamento de mérito pela 16ª Vara Federal de Juazeiro do Norte.

No ano de 2009, a mesma ONG denunciou o Brasil à Organização dos Estados Americanos, por crime de desaparecimento forçado de pessoas e para que seja obrigada a informar a localização da vala comum com as 1000 vítimas do Sítio Caldeirão. A entidade considera o sítio Caldeirão como o Araguaia do Ceará, uma vez que os militares mataram 1000 pessoas e após, enterraram em vala comum em lugar desconhecido da mata dos cavalos, em cima da Chapada do Araripe. A ONG está pedindo auxílio à entidades internacionais para que a vala comum seja encontrada, bem como, de geólogos, geofísicos e arqueólogos para identificar a localização da vala comum.

A Cia. do Tijolo, grupo artístico, apresenta ainda (2010) espetáculo que conta a história do Caldeirão, e exalta também Patativa do Assaré, poeta nascido no nordeste brasileiro. Em 2017, a violinista Mariana Holshuh apresentou em Natal/RN a obra “O Caldeirão dos esquecidos“, para violino solo, do compositor Danilo Guanais, inspirada em elementos da história do Caldeirão dos Jesuítas.

Editoria Virtuo Comunicação

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa