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Memória: Nascimento Antonieta de Barros primeira mulher negra eleita no Brasil

Antonieta de Barros (Florianópolis, 11 de julho de 1901 — Florianópolis, 28 de março de 1952) foi uma jornalista, professora e política brasileira. Foi uma das primeiras mulheres eleitas no Brasil e a primeira negra a ocupar um mandato popular, sendo pioneira e inspiradora do movimento negro, apesar de um significativo apagamento de sua história, que aos poucos vem sendo recuperada.

Tendo feito contribuições no parlamento, na imprensa e na educação, ela foi uma defensora ativa da emancipação das mulheres e da educação de qualidade para todos. Em 2023, seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis e heroínas nacionais, depositado no Panteão da Pátria e Liberdade Tancredo Neves.

Antonieta nasceu em 11 de julho de 1901. Era filha da lavadeira Catarina de Barros (ou, segundo consta, Catharina do Nascimento Waltrich, ex-escrava de Lourenço Waltrich, fazendeiro e proprietário de escravos – a abolição fora decretada há apenas treze anos antes do nascimento de Antonieta) e Rodolfo José de Barros, carteiro. Ela tinha pelo menos três irmãos – Maria do Nascimento, Cristalino José de Barros e Leonor de Barros.

Seu pai faleceu ainda jovem, e sua mãe trabalhava na casa do político Vidal Ramos, pai de Nereu Ramos, que viria a ser vice-presidente do Senado e o único catarinense a assumir a Presidência da República. O envolvimento da família Ramos ajudaria Antonieta em sua futura carreira política. No entanto, eles não foram a única influência sobre ela: os irmãos de Antonieta foram ativistas em organizações negras na década de 1920, sendo que um deles fundou um sindicato trabalhista.

A mãe de Antonieta, Catarina, transformou a casa deles em pensão para alunos, e a convivência com esses alunos incentivou Antonieta e sua irmã Leonor a se alfabetizarem. Leonor também se tornou professora, e tanto Antonieta quanto Leonor ensinaram os filhos de dois governadores de Santa Catarina.

Antonieta continuou seus estudos, cursando o ensino regular na Escola Lauro Müller. Aos 17 anos iniciou seus estudos na Escola Normal Catarinense. Em 1919, já escrevia para a Revista da Escola Normal, prenunciando sua futura carreira no jornalismo, e no ano seguinte tornou-se presidente da Associação dos Estudantes. Concluiu o curso normal, que formava professores, em 1921.

Em 1922, fundou em sua casa o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado para a alfabetização da população carente, que conduziu ao longo de sua vida. Ela pretendia fazer o ensino superior, mas naquela época as mulheres eram proibidas de estudar direito.

Posteriormente, tornou-se professora da Escola Complementar, que funcionava ao lado da Escola Lauro Müller. Ela também lecionou no Colégio Coração de Jesus e na Escola Normal Catarinense entre 1933 e 1951, onde atuou como diretora de 1944 a 1951, período em que a escola já havia sido renomeada para Colégio Estadual Dias Velho. Ela foi demitida da diretoria por motivos políticos em 1951.

Além de professora, Antonieta atuou como jornalista e escritora, destacando-se pela coragem de expressar suas ideias em um contexto histórico que não permitia às mulheres negras a liberdade de expressão.

Antonieta participou ativamente da vida cultural de seu estado. Fundou e dirigiu o jornal A Semana de 1922 a 1927 e é considerada a primeira mulher negra a trabalhar na imprensa catarinense. Nesse período, por meio de suas crônicas, ela transmitiu suas ideias, principalmente aquelas relacionadas à educação, má conduta política, condição da mulher e preconceito.

Ela também dirigiu a revista quinzenal Vida Ilha em 1930 e escreveu artigos para jornais locais. Sob o pseudônimo de Maria da Ilha, escreveu Farrapos de Ideias em 1937, primeiro livro publicado por uma negra em Santa Catarina. Foi por meio desse livro que Antonieta entrou na arena política. Ela se correspondia com a Federação Brasileira para o Avanço da Mulher e sua fundadora, Bertha Lutz. Tornou-se membro do Conselho Deliberativo da Associação Catarinense de Imprensa em 1938.

Segundo a pesquisadora Dra. Luciene Fontão, a literatura de Antonieta “apresenta textos com características temáticas alicerçadas na crítica social, tendendo ao proselitismo provinciano de caráter urbano, marcado por uma linguagem com forte apelo didático e religioso, no culto de valores humanísticos e cristãos. Ela representa a resistência da escrita feminina e a presença de mulheres escritoras na literatura produzida na Ilha de Santa Catarina.”

Em 1925, participou da fundação da Liga Catarinense de Professores, sendo sua primeira secretária, entidade que visava defender os professores catarinenses. Em 1934, ocorreu a primeira eleição em que mulheres podiam votar e ser votadas para cargos executivos e legislativos no Brasil. Antonieta concorreu a uma das vagas como deputada estadual na Assembleia Legislativa de Santa Catarina filiada ao Partido Liberal Catarinense (PLC), o que a tornou deputada suplente. Como Leônidas Coelho de Souza nunca assumiu o cargo por ter sido nomeado prefeito de Caçador, Antonieta assumiu o cargo na 1ª legislatura (1935-1937). Tornou-se a primeira mulher negra e a primeira deputada estadual do Brasil, pioneira no combate à discriminação contra negros e mulheres.

Foi constituinte em 1935, sendo responsável pelos capítulos de Educação e Cultura e Função Pública. Em 19 de julho de 1937, Antonieta presidiu a sessão da Assembleia Legislativa, tornando-se a primeira mulher a assumir a presidência de uma assembleia no Brasil. O seu mandato terminou com o início do Estado Novo, que fechou os parlamentos em todo o país.

Com o retorno da democracia, tornou-se deputada estadual na 1ª legislatura (1947-1951) como suplente convocada, filiada ao Partido Social Democrático (PSD). Ela assumiu o cargo em junho de 1948, quando José Boabaid se afastou, tornando-se novamente a única mulher no parlamento catarinense. Nesta legislatura, ela continuou a defender a educação, sugerindo a concessão de bolsas de estudo superior a alunos carentes e concursos de ensino.

Antonieta de Barros foi a autora da Lei Estadual nº 145, de 12 de outubro de 1948, que instituiu o Dia do Professor e as férias escolares no estado de Santa Catarina. A data escolhida, 15 de outubro, refere-se à promulgação da primeira grande lei de educação do Brasil, sancionada por Dom Pedro I em 15 de outubro de 1827. Posteriormente, em outubro de 1963, a data seria reconhecida oficialmente em todo o país pelo presidente João Goulart.

A seguinte citação vem dela: “Nós rimos. É tudo tão infantil que achamos engraçado. E, perdidos em pensamentos, perguntamos aos nossos amigos: Mas onde isso aconteceu? Na Alemanha de Hitler ou nos Estados Unidos? Esse tipo de comportamento não está em nossa natureza. Somos leais. Leais e gratos. Sempre fomos. E é uma característica dos negros. Fizemos do Ensino nosso caminho e sempre agimos com respeito ao professor que ainda não morreu dentro de nós , graças a Deus. Então, de onde vem a intriga? Entendemos que a delicada sensibilidade do nobre Deputado pode ter sido afetada por aquela afirmação. Sua Excelência, para alegria de todos os arianos – apesar de formado em jornalismo – não trabalho no ensino público. Dizemos “deleite” porque falta a Sua Excelência uma das qualidades de um professor:não distinguindo raças, castas ou classes…” – Antonieta de Barros, no jornal O Estado, em resposta ao insulto de Oswaldo Rodrigues Cabral.

Ao longo de sua vida, Antonieta foi uma mulher séria, comprometida e assertiva, mas também enérgica e compassiva. Ela era respeitada e admirada por seu senso de justiça. Ela nunca se casou e era bastante religiosa, devota de Nosso Senhor dos Passos. Apesar de sua religiosidade, ela defendia a emancipação da mulher, principalmente por meio da educação, o que gerou certo repúdio por parte de facções mais conservadoras da Igreja Católica.

Em episódio de 1951, o historiador Oswaldo Rodrigues Cabral descreveu suas ideias políticas e educacionais como “fofocas baratas da senzala”. Ela reagiu, reconhecendo sua condição de mulher negra e educadora, e respondeu posteriormente em uma crônica do jornal O Estado. Em sua resposta, Antonieta comparou as palavras de Osvaldo Rodrigues Cabral às dos Estados Unidos e da Alemanha nazista, demonstrando consciência das consequências das ideias raciais no mundo. Sua postura neste texto mostra que ela não estava alheia ao preconceito racial.

Antonieta faleceu prematuramente em 28 de março de 1952, aos 50 anos, devido a complicações diabéticas. Está sepultada no Cemitério São Francisco de Assis, em Florianópolis. O Curso Particular Antonieta de Barros manteve as suas atividades até 1964, tendo a sua irmã Leonor de Barros participado ativamente no projeto.

Até 2012, Antonieta era a única negra a ocupar um mandato no parlamento catarinense. Segundo a ex-senadora Ideli Salvatti, Antonieta havia passado por um processo de apagamento histórico – a Assembleia Legislativa de Santa Catarina nem sequer tinha fotos dela até que Ideli começou a pesquisar durante o próprio mandato, no final dos anos 1990. Atualmente, a Assembleia homenageia Antonieta ao atribuir seu nome ao Programa Antonieta de Barros, que investe na formação de jovens aprendizes de comunidades carentes, e ao Auditório Adjunto Antonieta de Barros, localizado no Palácio Barriga Verde, sede do parlamento . A foto de Antonieta também foi adicionada à galeria das deputadas. Ela é considerada uma inspiração para o movimento negro, e sua história aos poucos está se espalhando para além de Florianópolis.

O nome de Antonieta também é concedido à Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros e uma medalha da Câmara Municipal de Florianópolis, a Medalha Antonieta de Barros, concedida anualmente a mulheres que tenham feito contribuições significativas em defesa dos direitos das mulheres em Santa Catarina. Um prêmio chamado Prêmio Antonieta de Barros para Jovens Comunicadores Negros foi criado pelo Ministério da Igualdade Social do Governo Federal em 2016.

A Escola Antonieta de Barros, no centro de Florianópolis, está em processo de se transformar no Museu Antonieta de Barros, que também abrigará um instituto de pesquisa voltado para a história e cultura negra em Santa Catarina. Ao lado da escola está o Museu do Colégio Catarinense (MESC), instituição ligada à Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Ambos os prédios faziam parte do Colégio Estadual Dias Velho durante o período em que Antonieta ali trabalhou e, no MESC, a sala onde ela era diretora foi reconstituída como era na época e por isso é chamada de Sala Antonieta de Barros. O nome de Antonieta de Barros também está presente em vários locais da capital catarinense, como o túnel da Via Expressa Sul e uma rua do bairro do Canto.

Documentos sobre sua vida podem ser encontrados em diversas instituições por todo o estado de Santa Catarina, incluindo os arquivos da Assembleia Legislativa, da Biblioteca Pública Estadual, da Casa de Memória de Florianópolis, do Instituto Estadual de Educação e de alguns outros órgãos.

Em 5 de janeiro de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o projeto de lei do deputado federal Alessandro Molon, declarando oficialmente Antonieta de Barros Heroína da Pátria, com seu nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa