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Caso Moïse Mugenyi Kabagambe

No dia 24 de janeiro de 2022, o imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe foi brutalmente assassinado no quiosque Tropicália, situado no bairro Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Brasil. A família só recebeu a terrível notícia no dia seguinte, e a imprensa só tornou o ocorrido público em 29 de janeiro, desencadeando uma onda de indignação na sociedade. Os suspeitos do homicídio, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, Brendon Alexander Luz da Silva e Fábio Pirineus da Silva, permanecem detidos preventivamente.

Em 5 de fevereiro, mobilizados por políticos, personalidades, organizações de direitos humanos e movimentos negros, protestos eclodiram em várias cidades brasileiras. Além disso, manifestações aconteceram nas embaixadas do Brasil em Berlim, Alemanha, e Londres, Reino Unido. Esses atos visavam não só lembrar a tragédia da morte de Kabagambe, mas também denunciar o racismo e a xenofobia que permeiam a sociedade brasileira.

Apesar dos protestos e do apoio de diversas entidades e políticos, as ameaças contra os imigrantes congoleses aumentaram, levando alguns a buscar refúgio em outros países, embora essa informação careça de fontes confiáveis.

Antecedentes: Nascido em Bunia, na província de Ituri, na República Democrática do Congo, em 4 de abril de 1997, Moïse Mugenyi Kabagambe e sua família migraram para o Brasil em 2011 devido ao conflito em Ituri. No Brasil, trabalhava como atendente no quiosque Tropicália, localizado na cidade do Rio de Janeiro, recebendo remuneração diária por seus serviços.

Assassinato:

No fatídico dia, Kabagambe dirigiu-se ao quiosque Tropicália na Barra da Tijuca para cobrar duas diárias pendentes. Segundo familiares, ele foi amarrado, espancado e agredido com um taco de beisebol. Alega-se também que seus órgãos foram retirados do corpo. Mesmo após o ocorrido, o quiosque continuou suas operações normalmente.

Um vídeo, amplamente divulgado pela imprensa e redes sociais, mostra Kabagambe discutindo com um dos funcionários do quiosque, que reage pegando um pedaço de madeira após o congolês tentar pegar uma bebida do freezer. A situação se intensifica quando outros homens se unem à agressão. Embora tenham tentado prestar socorro com massagens cardíacas, a vítima não resistiu, como constatado pelo laudo do Instituto Médico Legal (IML), que indicou traumatismo no tórax como a causa da morte.

Investigação:

A Polícia Civil está intensificando as investigações em torno do brutal assassinato ocorrido recentemente, onde Moïse foi agredido por cinco homens, utilizando pedaços de madeira e um taco de beisebol, segundo testemunhas. Imagens do local estão sendo analisadas como parte do processo. Até o momento, oito pessoas foram ouvidas pelas autoridades.

Um casal que presenciou o incidente relatou ter solicitado ajuda a guardas municipais, porém, afirmam que estes não averiguaram o quiosque Tropicália, palco da tragédia. Além disso, familiares alegaram terem sido intimidados pela Polícia Militar em duas ocasiões distintas. Em uma audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, foi mencionado que os vídeos divulgados foram editados e que há mais pessoas envolvidas no caso.

Segundo informações da CNN Brasil, a Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público estão investigando outras sete pessoas presentes no momento do crime, ampliando o escopo da investigação.

Três dos envolvidos admitiram sua participação no homicídio. Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, que trabalhava no quiosque Biruta, confessou seu envolvimento, negando, no entanto, que a violência tenha sido motivada por racismo, xenofobia ou dívidas. Brendon Alexander Luz da Silva, outro detido, afirmou ter apenas segurado Moïse, negando ter estrangulado ou tido a intenção de matá-lo. Fábio Pirineus da Silva admitiu ter cometido violência contra a vítima, mas também alegou não ter a intenção de causar sua morte.

No dia 1º de fevereiro de 2022, os três foram presos, e no dia seguinte, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou a prisão temporária deles. Em 22 de fevereiro, o tribunal aceitou a denúncia contra os acusados por homicídio triplamente qualificado, convertendo as prisões temporárias em preventivas.

Como desdobramento, a licença do quiosque Tropicália e do Biruta foi suspensa pela Orla Rio, concessionária responsável pelos quiosques do Rio de Janeiro. Além disso, o Ministério do Trabalho está processando os antigos proprietários dos quiosques por condições de trabalho desumanas, responsabilizando também a Orla Rio e a prefeitura do Rio de Janeiro por falhas na fiscalização.

Os advogados do Tropicália negaram qualquer envolvimento do então dono, Carlos Fabio da Silva Muzi, com o crime, refutando a existência de dívidas com Moïse e alegando que ele não era um funcionário fixo. No entanto, Muzi alega ter recebido ameaças desde a divulgação do assassinato. O ex-dono do quiosque Biruta, Alauir Mattos de Faria, foi intimado a depor.

Segundo uma fonte policial, a Polícia Civil não acredita que houve uma ordem para matar Moïse, sugerindo que os envolvidos agiram por vontade própria. A investigação aponta que a dívida pode não ter sido o motivo real por trás do conflito.

Repercussão Nacional:

A comunidade congolesa expressou veementemente seu repúdio diante do assassinato de Moïse Kabagambe, destacando a existência do racismo estrutural e da xenofobia no contexto do ocorrido:

“Este ato brutal não apenas evidencia o racismo estrutural na sociedade brasileira, mas claramente demonstra a xenofobia em suas diversas formas contra estrangeiros.”

Nas redes sociais, a morte de Moïse Kabagambe gerou inúmeras menções. No Twitter, mensagens repudiando o crime foram acompanhadas das hashtags “#JustiçaparaMoise” e “#JusticaPorMoiseMugenyi”. Políticos e celebridades brasileiras também utilizaram suas plataformas para denunciar o crime.

Tanto o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, quanto o prefeito da cidade, Eduardo Paes, se pronunciaram no Twitter. O governador assegurou que o assassinato não ficará impune, afirmando que a polícia está identificando os responsáveis. O prefeito, por sua vez, chamou o assassinato de inaceitável e revoltante, expressando confiança na atuação das autoridades policiais e anunciando um encontro posterior com a família de Moïse.

Diversos senadores, incluindo representantes do PT, Rede e Pros, manifestaram pesar e lamentaram a morte de Kabagambe, conforme informações do site do Senado Federal.

O Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), PARES Cáritas RJ e a Agência da ONU para Migrações (OIM) divulgaram nota à imprensa, expressando condolências e solidariedade à família de Moïse e à comunidade congolesa no Brasil. Eles estão acompanhando o caso e esperam que o crime seja esclarecido.

A embaixada da República Democrática do Congo denunciou o ocorrido e cobrou explicações das autoridades brasileiras, mencionando outros quatro casos de congoleses assassinados no país. O Itamaraty lamentou o incidente, explicando também o processo de refúgio no Brasil. O embaixador brasileiro na República Democrática do Congo foi convocado pelas autoridades do país, e em entrevista, mencionou a situação grave de violência no Brasil.

A Anistia Internacional repudiou a violência contra Moïse, classificando o assassinato como uma flagrante violação do direito humano à vida e à dignidade, e destacou os problemas de racismo e xenofobia no Brasil. A Human Rights Watch também condenou o crime, prestando solidariedade à família de Moïse.

A Coalizão Negra por Direitos denunciou o assassinato, ressaltando a habitual violência contra pessoas negras no Brasil. A organização prometeu denunciar o crime à ONU e organizou protestos em conjunto com outros movimentos e organizações.

Em 11 de fevereiro, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, mencionou Moïse em suas redes sociais, afirmando que foi um “vagabundo morto por vagabundos mais fortes”. Suas declarações foram criticadas por lideranças da comunidade congolesa e jurídica.

Repercussão Internacional:

O assassinato de Moïse Kabagambe ganhou destaque na imprensa internacional, sendo noticiado por veículos como CNN, Al Jazeera, The Washington Post, Süddeutsche Zeitung, Rádio França Internacional, Reuters, The Guardian e a imprensa da República Democrática do Congo.

Impacto na Comunidade Congolesa no Brasil: Transformação dos Quiosques em Espaço Cultural e Desafios

Recentemente, foi apresentada uma proposta para a transformação dos quiosques locais em um espaço dedicado à cultura congolesa, marcando uma mudança significativa na dinâmica local. Inicialmente, a oferta desse espaço foi direcionada à família do falecido, estabelecendo um vínculo simbólico com a comunidade. Um termo de compromisso foi formalizado em 7 de fevereiro, solidificando a iniciativa.

No entanto, em 11 de fevereiro, a família surpreendentemente recusou a ocupação do espaço no Tropicália e no Biruta, alegando preocupações com a segurança. Apesar disso, manifestaram disposição para considerar alternativas viáveis. Uma sugestão foi apresentada para um local no Parque Madureira, situado na Zona Norte da cidade, e o espaço foi aberto ao público em junho de 2022.

O prefeito Eduardo Paes também desempenhou um papel proativo nesse cenário, emitindo um decreto que estabelece o Comitê Intersetorial de Políticas de Atenção às Pessoas Refugiadas, Imigrantes e Apátridas (COMPAR-Rio). O objetivo declarado do comitê é a defesa dos direitos humanos desses grupos, reforçando o compromisso da cidade com a inclusão e a proteção dos direitos fundamentais.

Apesar desses esforços, a CNN Brasil reportou que pelo menos 15 congoleses enfrentam ameaças e perseguições nas redes sociais. Notavelmente, muitos hesitam em contatar as autoridades policiais, temendo possíveis represálias. Esse desafio evidencia a necessidade contínua de abordar questões de segurança e proteção para garantir a integridade e o bem-estar da comunidade congolesa no Brasil.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa