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Memória: Dom Pedro Casaldáliga

No dia 8 de agosto de 2020, na cidade de Batatais, faleceu aos 92 anos Dom Pedro Casaldáliga, em decorrência de complicações respiratórias agravadas pela doença de Parkinson. Seu corpo foi sepultado no dia 12 de agosto, no Cemitério Karajá, em São Félix do Araguaia, próximo às margens do Rio Araguaia, onde foram enterrados peões e indígenas que resistiram à grilagem em Mato Grosso.

Nascido em Balsareny, na província de Barcelona, Espanha, Dom Pedro Casaldáliga provinha de uma família modesta de agricultores. Em 1943, ingressou na Congregação Claretiana, também conhecida como Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, e foi ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona, no dia 31 de maio de 1952.

Sua jornada o trouxe ao Brasil com o propósito de estabelecer uma missão claretiana no Estado do Mato Grosso. Enfrentando de frente a pobreza, a miséria e um cenário marcado pelo analfabetismo e pela concentração fundiária, Dom Pedro se deparou com inúmeros desafios. Em seu primeiro dia na região, testemunhou a triste cena de quatro bebês mortos deixados em caixas de sapato à porta de sua residência, aguardando sepultamento. Em muitas ocasiões, devido à falta de recursos, ele improvisava missas utilizando cachaça e bolacha no lugar do vinho e da hóstia.

Em 27 de agosto de 1971, Dom Pedro Casaldáliga foi nomeado bispo prelado de São Félix do Araguaia pelo Papa Paulo VI. Sua ordenação episcopal ocorreu em 23 de outubro de 1971, realizada por Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia, Dom Tomás Balduíno, OP, e Dom Juvenal Roriz, CSSR.

Reconhecido por sua adesão à Teologia da Libertação, Dom Pedro desempenhou um papel crucial na fundação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Sua simplicidade era uma de suas maiores virtudes, renunciando às vestes clericais e optando por usar um anel de tucum, símbolo de sua opção preferencial pelos pobres e marginalizados.

Dom Pedro enfrentou ameaças de morte em diversas ocasiões, sendo a mais grave delas em 12 de outubro de 1976, quando, ao se dirigir a uma delegacia para investigar relatos de tortura, foi confrontado e agredido por policiais. O padre jesuíta João Bosco Penido Burnier, que o acompanhava, foi fatalmente baleado após uma discussão acirrada com os agentes. A comunidade local reagiu com indignação, promovendo uma procissão até a delegacia, libertando os presos e destruindo o edifício. Anos depois, no mesmo local, foi erguido o Santuário dos Mártires da Caminhada.

Durante a ditadura militar, Dom Pedro foi alvo de pelo menos cinco tentativas de expulsão do Brasil. Contou com o apoio de Dom Paulo Evaristo Arns e do então Papa Paulo VI em sua defesa, enquanto enfrentava adversidades durante o pontificado do Papa João Paulo II, com respaldo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Em 1994, manifestou apoio à revolta de Chiapas, no México, argumentando que, quando o povo toma as armas, sua luta merece respeito e compreensão. Em 1999, publicou a “Declaração de Amor à Revolução Total de Cuba”.

No dia 2 de fevereiro de 2005, o Papa João Paulo II aceitou sua renúncia ao governo pastoral de São Félix, devido à doença de Parkinson. No entanto, isso não o impediu de continuar sua luta ao lado dos camponeses, defendendo a descentralização do poder em relação a Roma, a ordenação de mulheres e o celibato opcional.

Frases de Dom Pedro Casaldáliga, frases e citações do “bispo dos direitos humanos”:

“Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar.” – Pedro Casaldáliga

“Para a direita é preferível ter o papa contra a Teologia da Libertação do que Fidel a favor.” – Pedro Casaldáliga

“O capitalismo é um pecado capital. O socialismo pode ser uma virtude cardeal: somos irmãos e irmãs, a terra é para todos e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e o outro senhor é precisamente o capital. Quando o capital é neoliberal, de lucro onímodo, de mercado total, de exclusão de imensas maiorias, então o pecado capital é abertamente mortal.” – Pedro Casaldáliga

“Quem fica na floresta um dia, quer escrever uma enciclopédia; quem passa 5 anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação..” – Pedro Casaldáliga

“Não é só imoral cobrar a dívida externa, também é imoral pagá-la, porque, fatalmente, significará endividar progressivamente os nossos povos.” – Pedro Casaldáliga

“Hoje, já aposentado, contemplo a vida relativizando o que é relativo em mim, na sociedade e na Igreja, e absolutizando o que é absoluto: Deus e a humanidade.” – Pedro Casaldáliga

“Só vivendo a noite escura dos pobres, é possível viver o Dia de Deus. As estrelas só se veem de noite.” – Pedro Casaldáliga

“Na minha idade, tudo cabe em uma oração.” – Pedro Casaldáliga

“Minhas causas valem mais que minha vida.” – Pedro Casaldáliga

“Na dúvida fique ao lado dos pobres.” – Pedro Casaldáliga

“Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos, para ampararem cercas e bois e fazerem da terra escrava e escravos os homens!” – Pedro Casaldáliga

“Gosto de distinguir sempre entre a política utópica e a política administrativa. A política utópica pode ser radical. A administrativa faz o que pode hoje para fazer o que puder amanhã.” – Pedro Casaldáliga

Poesia escrita por João Oscar sobre Pedro Casaldáliga:

Que me perdoe “Paulo”.
Mas eu sou de Pedro
e com ele não vou para o céu
não enquanto houver ausência de Deus nos mais pobres.

Sou da Igreja do chão de barro vermelho,
das sandálias surradas,
que abandonou a cúria,
que saiu da sacristia,
que se fez carne na carne do outro.

Eu sou de Pedro
e reconheço os que também o são,
e não são poucos:
homens e mulheres de todos os cantos,
de mil encantos,
interligados como se fôssemos um,
anunciando compromisso com o anel de tucum.

Eu sou de Pedro
e o vejo no rosto indígena,
no corpo da mulher latina,
no coração liberto do negro,
na utopia do trabalhador,
no amor de toda cor.

Eu sou de Pedro,
tomado pela profecia
que jurou que um dia
não faltará terra nem moradia,
que haverá pão em todas as mesas,
que o trabalhador terá justiça.
Que me perdoe “Paulo”,
mas eu sou de Pedro.

João Oscar

 

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa