Memória: José Maria Pires, o Dom Zumbi primeiro bispo negro no Brasil
Seu exemplo de fé e esperança para os dias atuais pode ser recordado a partir de um trecho de sua carta pastoral de março de 1976: “quando se cansar a paciência do pobre que está sendo esmagado pelos poderosos, a de Deus também se cansará e Deus virá fazer a justiça que os homens se recusaram a fazer”.
Por ocasião do centenário de seu nascimento, em 2019, o padre Luís Miguel Modino escreveu o artigo “Centenário de Dom José Maria Pires, o bispo da causa negra”, no qual cita um trecho do prefácio escrito por dom Helder Câmara no livro “Do Centro para as Margens” (1987):
“Dom José Maria vai às causas, vai às raízes… E fala claro, sem perder a serenidade, mas chamando as coisas pelos nomes. Quem quiser livrar-se de um Cristianismo desencarnado, quem quiser livrar-se de ensinamentos inodoros, incolores, pregados no vácuo, leia suas páginas”.
Até 1957, era o único bispo negro no Brasil, e sempre pautou em suas missas, em entrevistas e discursos a necessidade de organização do movimento negro para lutar contra o racismo. Após uma romaria em comemoração ao centenário da abolição da escravatura, no Quilombo do Palmares, em Alagoas, passou também a ser chamado de Dom Zumbi. Proferiu uma famosa homilia na histórica Missa dos Quilombos, em 1991, na cidade do Recife, considerada pelos historiadores como um dos textos fundadores da Teologia Afro-Brasileira Contemporânea, desembocando na criação da Pastoral Afro-Brasileira (PAB).
Defensor das comunidades quilombolas, dos povos indígenas, dos camponeses, das mulheres em situação de prostituição, incentivou as Comunidades Eclesiais de Base, os movimentos populares tornando-se um dos precursores da Teologia da Libertação, bem como atuou como articulador da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dizia: “Enquanto imperar a fome, a miséria e o analfabetismo, enquanto não se respeitar no operário e no camponês a dignidade da pessoa humana, os cristãos não estarão sendo cristãos”.
Também atuou fortemente na defesa dos Direitos Humanos, criticando reiteradas vezes a Ditadura Militar, defendendo e visitando presos políticos em São Paulo e Pernambuco. Em 1975, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba, convidando para sua presidência o corajoso advogado Vanderley Caixe, que havia sido preso político em São Paulo, em 1969, por participar da luta armada contra a Ditadura. Foi sucedido tanto no posto de arcebispo quanto na postura política por dom Marcelo Carvalheira (falecido em 25/03/17, ver A Verdade nº 193) e morreu na mesma data (27 de agosto) de dom Hélder Câmara.
A trajetória da Igreja, desde o Concílio Vaticano II até os dias atuais, entrelaça-se com a história da teologia da Libertação, a atuação da Pastoral Afro, como Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a figura de dom José. Todos esses elementos se amalgamam no legado militante forjado ao longo de seu percurso.