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Massacre da Vila Cruzeiro

O massacre da Vila Cruzeiro aconteceu no dia 24 de maio de 2022, e deixou 25 mortos e 6 pessoas feridas na favela se tornando a segunda maior chacina em operações policiais do estado do Rio de Janeiro, ficando atrás da operação do Jacarezinho que matou 28 pessoas.

O comando da Polícia Militar afirmou que a operação conjunta com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) estava sendo planejada há meses, mas foi deflagrada de modo emergencial para impedir uma suposta migração para a Rocinha.

“Durante a madrugada, identificamos uma grande movimentação de criminosos, e por conta disso desencadeamos essa ação. Provavelmente, para haver uma invasão”, explicou o coronel Luiz Henrique Marinho Pires, secretário de Polícia Militar.

O porta-voz da PM, coronel Ivan Blaz, lamentou a morte de uma moradora, mas defendeu a operação e a força empregada no confronto contra a facção que atua na Vila Cruzeiro.

“Precisamos desbaratar essa quadrilha, que é beligerante e já é hoje responsável por mais de 80% dos confrontos armados do Rio de Janeiro. Essa facção criminosa que opera ali na região da Vila Cruzeiro atua numa campanha expansionista em todo o nosso estado”, afirmou em entrevista ao Bom Dia Rio.

Os primeiros relatos de tiros começaram na madrugada de terça-feira (24), por volta das 5h, de acordo com os moradores. Esse também foi o horário em que a plataforma Fogo Cruzado registrou o tiroteio e, mais tarde, publicou a informação de que ação se tratava de uma “operação policial” na Vila Cruzeiro, Penha.

A manhã já tinha se iniciado e a operação continuava em atividade. Perante orientação da Secretaria Municipal de Educação, 32 escolas, juntando Complexo da Penha e do Alemão, ficaram fechadas por medida de segurança. As instituições ofereceram o ensino remoto aos alunos.

Ainda na parte da manhã, uma moradora da Chatuba, na Penha, Gabrielle Ferreira da Cunha, de 42 anos, foi atingida por um disparo de arma de fogo. Ela foi socorrida, mas não sobreviveu. No Hospital Getúlio Vargas, referência do Rio de Janeiro, a movimentação foi intensa. Pessoas baleadas não paravam de chegar na unidade emergencial e a equipe do Voz das Comunidades esteve presente acompanhando. Já se contabilizava 13 mortos e 5 baleados.

A Vila Cruzeiro foi extretamemente impactada pelo fogo cruzado. Grupos de mototaxistas ficaram encurralados no meio de uma intensa troca de tiros. Mais tarde, próximos ao local, moradores da região fizeram registros de vídeos e fotos na área, relatando que corpos estavam espalhados em alguns locais. Muitos não conseguiram subir para um lugar conhecido como Matinha, onde, segundo eles, estavam pessoas mortas. Além disso, houve registro também de indignação com as forças policiais que estavam obstruindo o local. Paralelamente, na região do Valão, também no Complexo da Penha, um outro grupo de mototaxistas organizou um protesto e percorreu ruas da localidade. Pois, muitos outros serviços e comércios foram impactados.

Com tudo isso, essa chacina já é considerada a segunda mais letal em apenas um ano de gestão do governador Cláudio Castro (PL), ficando atrás da ação na favela do Jacarezinho, com 28 óbitos. Gabrielle Ferreira da Cunha, uma das vítimas foi atingida por um tiro em sua casa, na Chatuba, favela vizinha à Vila Cruzeiro. Natan Werneck, 21, também foi baleado em meio à operação —ele chegou a pedir socorro por telefone após ser ferido, mas só foi resgatado seis horas depois, segundo advogados que chegaram a levá-lo a um hospital. Ele morreu a caminho da unidade. O ouvidor da Defensoria Pública do RJ, Guilherme Pimentel, criticou a operação, dizendo que ações do gênero “jamais seriam toleradas em bairros nobres”. No mesmo dia, o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal para apurar condutas e possíveis violações cometidas por policiais na ação na Vila Cruzeiro.

No final da tarde até o início da noite, ainda havia movimentação no Complexo da Penha. A “operação policial” só teve fim efetivamente depois das 19h, de acordo com informações fornecidas pela TV Globo na terça (24).

À frente da Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), o historiador e professor Derê Gomes falou a respeito da incursão policial. “Uma chacina eleitoreira. O que vi no Complexo da Penha foi uma carnificina. Um filme de terror na vida real para invocar eleitores conservadores e cidadãos contra as favelas do Rio”.

Em seguida, Derê Gomes ressalta. “O Estado é tão violento e cruel quanto o crime organizado e não pensa um segundo nas centenas de milhares de moradores do Complexo da Penha que não tiveram direito de ir e vir, das crianças sem escola, da vacinação interrompida”.

Guilherme Pimentel, agente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, relatou que muitas mensagens foram recebidas nas primeiras horas da manhã. Diante das mensagens desesperadas de moradores, a equipe esteve presente na Penha. “Entramos em contato com os órgãos de controle das forças policiais e pedimos providências. Essa violência (operação) estava atingindo a população como um todo. Inclusive, com o fechamento de escolas, unidades de saúde, comércio e impedindo as pessoas saírem para estudar, para trabalhar”.

Guilherme, em seguida, classificou a operação como “caçada humana” e criticou a atividade policial dentro de favelas do Rio de Janeiro. “Uma vez que as famílias ficam no meio desse fogo cruzado, se sentindo inseguras, deitadas no chão, se escondendo dentro do banheiro, dentro de cômodos mais afastados da área externa, como fica a integridade física e mental dessas pessoas? Esse tipo de operação, que jamais seria naturalizado nos bairros nobres da cidade, também não pode ser naturalizado dentro das favelas”.

Cecília Olliveira, diretora executiva da plataforma Fogo Cruzado e jornalista especializada em segurança pública, também falou a respeito da incursão policial. “Essa é a sexta chacina policial em 2022 na Zona Norte do Rio (…) Qual seria o ganho que a gente tem com operações como essa, que são o centro da política de segurança pública?”. Ela faz um questionamento quanto às ações policiais diante do cenário da segurança pública e reflete que o estado apenas perde ante à barbarie como a que atingiu o Complexo da Penha. “Quando você olha para o outro lado, a gente tem muitos danos. Muitos danos como Gabriele, que foi morta logo no começo da operação. Aí entra para a estatística como mais uma vítima de bala perdida. E como fica a família da Gabriele? Quantas Gabrieles a gente já viu, a gente tem visto, a gente ainda vai ver?”, fina

Em junho, o governador do Rio, Cláudio Castro, negou que tenha ocorrido uma chacina na Vila Cruzeiro, considerando um “efeito colateral da operação”. A fala ocorreu após se reunir em Brasília com o ministro Edson Fachin, relator da ação que obrigou o governo do Rio a elaborar um plano para reduzir a letalidade policial em ações como a da Vila Cruzeiro.

Ao menos 16 dos 23 mortos não tinham mandado de prisão em aberto, segundo o site do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Entre eles, Douglas Costa Inácio Donato, 23, ex-militar da Marinha, que era casado e tinha um filho de dois meses. “Mataram um trabalhador”, desabafou a diarista Patrícia Costa Conceição, 42, mãe de Douglas.

O estudante João Carlos Arruda Ferreira, de 16 anos, foi morto após ser visto pela última vez justamente em uma manifestação pedindo pelo cessar-fogo na operação. “Meu irmão morreu com facada, não foi de tiro. Tinha 16 anos, o rapaz estudava. Não era bandido. Mas todo mundo na comunidade é tratado como se fosse”.

Em nota, a PM informou que a corregedoria da entidade acompanha as investigações conduzidas pela Polícia Civil para apurar eventuais irregularidades. Já a PRF (Polícia Rodoviária Federal) diz não ver desvios de conduta e monitora as investigações.

Em entrevista coletiva no dia 24 de maio, data da chacina, Uirá do Nascimento Ferreira, comandante do Bope, afirmou que a operação foi planejada há meses, mas ocorreu em “caráter emergencial” e “não tinha o objetivo de cumprir mandados de prisão”.

A PRF, no entanto, alegou ter atendido a um pedido de apoio para o cumprimento de mandados. O MPF (Ministério Público Federal) anunciou a abertura de um procedimento investigatório criminal para apurar condutas e possíveis violações cometidas por policiais. O órgão quer saber informações sobre o relatório final da operação e detalhes sobre o cumprimento dos mandados de prisão.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa