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Memória: Marcas da Ditadura Militar no Cemitério de Perus

Há 33 anos, em 4 de setembro de 1990, o jornalista investigativo Caco Barcellos, do Grupo Globo, revelou ao Brasil e ao mundo a chocante descoberta de uma vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, localizado em Perus, um distrito a noroeste da cidade de São Paulo. A letra “T de terrorista” marcada em alguns documentos foi a senha que levou à revelação deste capítulo sombrio da história brasileira.

O Cemitério de Perus, que inicialmente foi concebido em 1971 para o sepultamento de indigentes, tornou-se um local de memória e reflexão sobre os tempos obscuros da Ditadura Militar no Brasil. A vala clandestina é um testemunho das vidas perdidas e das lutas pela justiça e pelos direitos humanos. É um lembrete de que a verdade sempre prevalecerá, não importa quanto tempo leve para ser revelada.

A descoberta da vala clandestina

A terrível descoberta aconteceu quando o jornalista Caco Barcellos, em sua investigação sobre homicídios cometidos por policiais militares, deparou-se com a letra “T” marcada com lápis vermelho em alguns documentos do Instituto Médico Legal (IML). Perguntando sobre o significado dessa marcação, a resposta foi assustadora: “T de terrorista”.

Essa pista intrigante levou Barcellos a aprofundar sua pesquisa e, eventualmente, a descobrir a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco em Perus, que se tornaria um marco na luta pelos direitos humanos e pela verdade sobre os desaparecidos políticos no Brasil.

O anúncio dessa descoberta abalou a sociedade brasileira e levou à ação imediata. A então prefeita Luiza Erundina e a imprensa foram informadas da situação, marcando o início de uma jornada rumo à verdade e à justiça. Desde aquele dia fatídico, a Gestão Popular Democrática da cidade se empenhou em preservar as 1049 ossadas encontradas na vala para possíveis identificações de desaparecidos políticos.

De acordo com documentos incluídos no Fundo do Centro de Documentação e Estudos da Cidade de São Paulo, doado ao CEDEM por Luiza Erundina, a descoberta das ossadas na vala clandestina confirmou as denúncias feitas por familiares de presos políticos desde a década de 1970. O compromisso da Gestão Municipal de São Paulo foi buscar a verdade e a justiça, não medindo esforços para apurar e elucidar os crimes cometidos pela ditadura militar.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

No dia seguinte ao anúncio da descoberta, a prefeita Luiza Erundina determinou a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de São Paulo para investigar a origem e as responsabilidades pelas ossadas encontradas no cemitério. A CPI, presidida pelo então vereador Júlio Cesar Caligiuri Filho, foi um passo crucial em direção à verdade.

Para garantir a preservação das ossadas e evitar que fossem encaminhadas a órgãos da polícia estadual, a prefeita e os familiares concordaram em enviá-las ao Departamento de Medicina Legal da Universidade de Campinas (Unicamp) para identificação, sob a responsabilidade dos médicos legistas Fortunato Badan Palhares e Nelson Massini. Posteriormente, em 2001, as ossadas restantes foram transferidas para o Instituto Oscar Freire, ligado à Faculdade de Medicina da USP.

A CPI realizou um trabalho meticuloso, ouvindo 82 pessoas em 43 sessões, incluindo médicos legistas, autoridades da época e agentes ligados ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O relatório final da CPI, com 6.142 páginas e quinze recomendações, foi apresentado em 15 de maio de 1991.

Entre as recomendações, destacou-se a solicitação à prefeitura para apurar as responsabilidades por encaminhamentos irregulares de funcionários municipais, à Unicamp e à Faculdade de Medicina da USP para a identificação das ossadas restantes e ao governo estadual para reorganizar o IML e continuar as investigações sobre o Sítio 31 de Março de 1964, um local de tortura e execução de opositores políticos.

O monumento de Perus

Para marcar essa página sombria da história, no cemitério de Perus foi erguido um muro com os dizeres: “Aqui, os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do Estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo, os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos.” Este monumento, assinado pela então prefeita Luiza Erundina e pelos familiares de presos políticos desaparecidos, é um lembrete perene da importância de confrontar o passado sombrio e lutar por um futuro mais justo.

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa