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Memória: Padre Reginaldo Veloso

O padre Reginaldo Veloso, que faleceu em 19 de maio de 2022, deixou uma marca importante na história do catolicismo em Pernambuco.

Nascido em São José da Lage, Alagoas, em 3 de agosto de 1937, estudou no Recife e em Roma, onde foi ordenado padre. Reginaldo desenvolveu um movimento de luta por justiça social quando assumiu a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Morro da Conceição, Recife, em 1978. Ele incentivou os moradores a lutar por seus direitos, o que o levou a conflitos com a Igreja e a lei de segurança nacional durante a ditadura militar.

Adepto à Teologia da Libertação, ele se destacou ao longo da vida pela sua atuação política junto às comunidades eclesiais de base, tendo como amigo Dom Hélder Câmara. Padre Reginaldo era alagoano, mas também cidadão pernambucano, conforme honraria que recebeu no mês passado em razão de sua história de luta contra a ditadura militar, pela qual foi perseguido, e de contribuição social.

O padre Reginaldo foi um defensor dos trabalhadores e apoiou o Movimento dos Trabalhadores Cristãos (MTC). Ele foi um profeta em nossa vida, disse Elizabeth Barbosa, líder do movimento que protegia o legado de Dom Helder Câmara. Reginaldo foi um homem doce, maravilhoso e firme nos ideais de uma igreja libertadora e de uma pátria livre, disse ela. Apesar de ter sido afastado pela Igreja, Reginaldo continuou acompanhando pequenas comunidades no entorno do Morro da Conceição, prestando assessoria a movimentos e a congregações religiosas. A Igreja reconheceu seus feitos e o homenageou após sua morte, expressando eterna gratidão pela sua missão e atuação com o povo de Deus.

 

Reginaldo revela que voltou ao Brasil com uma nova visão sobre a sociedade e passou a contestar as posições conservadoras da Igreja. Em 1973, elaborou junto com outros bispos o documento “Eu Ouvi os Clamores do Meu Povo”, que clamava por uma libertação das opressões históricas sobre o povo, especialmente o mais pobre.

O texto assumia abertamente um tom revolucionário e, entre outras bandeiras, reivindicava do poder público o acesso irrestrito à água, habitação, transporte e outros direitos fundamentais, o que provocou a ira do governo civil-militar. “Isso provocou uma irritação grande nos militares. Num sábado, agentes foram à igreja, vasculharam o local atrás do documento e me levaram para ser interrogado”, conta ele.

“Me despiram e colocaram numa jaula que tinha um metro e meio quadrado. Era um cubículo. Fui interrogado por três militares que queriam saber quem havia escrito o documento. Na época, coloquei nomes de figurões da extrema-direita como autores do texto.”

No documentário sobre Reginaldo Veloso, Daniela conta como o padre foi afastado de suas funções no Morro da Conceição. Segundo ela, o papado de João Paulo II mudou a visão da igreja, que resolveu se voltar aos dogmas religiosos e manter-se alienada das necessidades básicas do povo. “Com um novo arcebispo em Recife, após a renúncia de Dom Helder Câmara, em 1985, foram fechados institutos de teologia na capital, expulsando alguns padres progressistas, como Reginaldo.”

O documentário conta um episódio curioso na região. “Queriam ocupar a igreja para substituir o padre Reginaldo, mas não achavam a chave, porque os moradores haviam escondido. Quando os policiais chegaram lá, o pessoal do morro fez um cordão em volta. Acenderam um balão, colocaram a chave e se desfizeram dela”, conta Kyrillos.

Por época de sua morte, foi divulgado a seguinte nota: Em nome da Arquidiocese de Olinda e Recife, o vigário geral Monsenhor Luciano José Rodrigues Brito emitiu comunicado expressando condolências.

“Cai a tarde, vem a noite, a tristeza, o pranto, a dor; de manhã renasce o sol, novo dia, alegria!”

Após um período de hospitalização, em que enfrentava a batalha contra o câncer, faleceu ontem, dia 19 de maio, José Reginaldo Veloso de Araújo. A Arquidiocese de Olinda e Recife vem expressar as mais sinceras condolências por sua morte à sua família e amigos.

Reginaldo Veloso foi presbítero na Arquidiocese de Olinda e Recife, onde exerceu seu ministério sacerdotal na Paróquia Santa Maria Mãe de Deus, no bairro da Macaxeira, e na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Morro da Conceição. Muito contribuiu para o Setor de Música Litúrgica da CNBB com suas composições, muitas das quais cantadas nas celebrações litúrgicas em todo o Brasil.

Que seja concedido a Reginaldo Veloso cantar diante do Senhor Ressuscitado: Senhor, piedade, vem me socorrer! Minha dor e meu pranto mudaste em prazer; teu nome para sempre eu irei bendizer!

Recife, 20 de maio de 2022

Monsenhor Luciano José Rodrigues Brito

Vigário Geral

Monge beneditino e escritor, o teólogo pernambucano Marcelo Barros afirmou que Reginaldo Veloso “foi e é a figura de um amigo”. “Sempre convivemos e em muitos trabalhos trabalhamos juntos. É uma notícia que entristece, me deixa com a sensação de profunda perda, saudade, luto. O Evangelho diz que, quando Jesus soube que o amigo dele Lázaro tinha morrido, é a única vez que contém a palavra ‘Jesus chorou’. Chorou com a morte de um amigo. Eu também me sinto assim: chorando com a morte de um amigo”,

Barros também citou ainda a herança deixada por Veloso de uma sociedade justa e uma humanidade renovada. “Ele optou para ir, ainda nos anos 1960, morar nos morros de Casa Amarela e trabalhar naqueles morros dos quais ele conhecia cada beco e conviver com os povos da periferia e organizar as pessoas para lutarem por uma vida nova, uma vida justa, por melhores condições. Ele fez isso a vida inteira”, completou o teólogo.

Em relação aos ensinamentos que ficam do padre Veloso, Marcelo Barros disse que o ex-pároco do Morro da Conceição foi um exemplo de como se ligar a profunda fé cristã à vida como compromisso social. “Fica o ensinamento a essa convite: a fé vivida como acolhimento do amor, nós somos as pessoas que acreditamos no amor, diz uma Carta de João. Vivemos num mundo onde o amor é raro”, finalizou Marcelo Barros à Folha de Pernambuco.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa