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Única aldeia indígena da cidade do Rio luta por reconhecimento

No coração da Zona Norte do Rio de Janeiro, ao lado do icônico Estádio do Maracanã, encontra-se a Tejo haw Maraka’nã (Aldeia Maracanã), antigo lar do Museu do Índio. Este local, que hoje abriga doze famílias de diversas etnias indígenas, está no centro de um prolongado conflito entre os povos indígenas e o Governo do Estado do Rio de Janeiro. A comunidade, que engloba mais de 15 etnias, está sob ameaça de desocupação desde que uma decisão judicial de 2016 concedeu ao governo estadual a posse do terreno, onde o governo planeja desenvolver novos projetos.

A história da Aldeia Maraká’nà começa com a fundação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, por Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Ele estabeleceu que a área na rua Mata Machado, no bairro Maracanã, abrigaria um museu dedicado aos primeiros habitantes do Brasil. Em 1953, sob a liderança do etnólogo Darcy Ribeiro, o museu foi inaugurado, representando um marco na técnica museográfica. No entanto, após a mudança de sede em 1977 para um prédio histórico em Botafogo, o antigo Museu do Índio foi abandonado.

Em 2006, o local ganhou nova vida quando um grupo de indígenas ocupou a área, reivindicando a transformação do espaço em um centro cultural. A aldeia agora abriga doze famílias de diversas etnias em casas construídas com materiais como madeira, amianto, plástico, sapê e bambu. A ocupação originou-se de cerca de 35 indígenas de 17 diferentes etnias e marcou o início da Aldeia Maraká’nà.

Os confrontos entre a comunidade e o governo não são recentes

Em março de 2013, a Aldeia Maracanã, localizada ao lado do estádio Maracanã no Rio de Janeiro, foi palco de um confronto intenso entre a polícia e a comunidade indígena que habitava o antigo Museu do Índio. A disputa surgiu após uma decisão judicial que favorecia o governo do estado, o qual planejava demolir o prédio para construir um novo museu. Antes mesmo da obtenção da autorização judicial para a entrada, a polícia cercou o prédio, gerando um clima de tensão.

Os residentes, que incluíam crianças e adultos de diversas etnias, contaram com o apoio de ativistas de direitos humanos, entre eles a organização ComCausa. A situação se agravou quando os indígenas tentaram impedir a saída das autoridades, que haviam ido notificar sobre a ordem de desocupação, concedendo 72 horas para a saída. A recusa da comunidade em desocupar culminou em uma operação violenta em 22 de março, na qual a polícia utilizou força excessiva para desalojar os moradores.

Meses após os conflitos, ativistas e integrantes de comunidades indígenas se mobilizaram para reassumir o controle do antigo Museu do Índio, culminando na reocupação da Aldeia Maracanã em 20 de outubro de 2013. Desde essa data, a Aldeia Maracanã emergiu como um epicentro para o debate sobre os direitos dos povos indígenas em áreas urbanas e a preservação de sítios históricos. Essa ação levou à decisão de conservar o edifício, marcando uma vitória importante para os ativistas e defensores da cultura indígena.

No início de 2019, a Aldeia Maracanã enfrentou ameaças de deputados bolsonaristas, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira. Eles fizeram declarações ofensivas, chamando a aldeia de “lixo urbano” e associando-a a consumo de drogas e desordem. Tais comentários foram parte de uma retórica que sugeria a necessidade de “revitalização” do espaço, muitas vezes com conotações racistas, como a declaração de Amorim para quem apoia os indígenas ir para a Bolívia.

A situação levou a organização ComCausa notificar órgãos de direitos humanos sobre o risco de atentados contra os ocupantes, temendo que as provocações dos deputados pudessem levar a violência física. Em setembro de 2020, os deputados retornaram ao local com homens armados, exacerbando as tensões e ameaçando a segurança dos ocupantes.

Novos desafios para a Aldeia Maracanã

Recentemente, a situação da Aldeia Maracanã voltou aos noticiários. De acordo com a Defesa Civil Municipal, a inspeção do edifício, anteriormente um museu, revelou que a estrutura está em condições extremamente deterioradas. As condições precárias de habitação são um reflexo do descaso com a cultura indígena no Rio de Janeiro, conforme apontado pela Defesa Civil. Por outro lado, o governo estadual sustenta que a ocupação do local é irregular, reforçando que, desde 2016, há uma decisão judicial que lhe concede a posse do imóvel.

A Aldeia Maracanã luta não somente para preservar seu espaço físico, mas também para ser reconhecida como um núcleo essencial de cultura e história indígena. O local atua como um ponto significativo de troca cultural e educação, estimulando o respeito e entendimento das variadas tradições culturais brasileiras.

O futuro da Aldeia Maracanã ainda é incerto, mas a comunidade indígena persiste em sua resistência, sublinhando a importância de preservar não apenas seus direitos, mas também um legado cultural valioso no coração do Rio de Janeiro. Um diálogo mais sensível e inclusivo entre o governo e os povos indígenas é necessário para assegurar a coexistência harmoniosa de interesses urbanos e culturais.

Memória: O drama dos ataques à Aldeia Maracanã

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa