ArtigosBrasilDestaque

A importância de reconhecer e reparar a história de João Cândido

Há alguns anos, tem-se fortalecido um movimento que busca o reconhecimento da relevância de João Felisberto Cândido, o marinheiro que enfrentou o racismo, e a compreensão da perpetuação de um Brasil escravagista, conquistando assim a dignidade dos praças da Marinha.

Conhecido como um dos principais líderes da Revolta da Chibata, a luta por resistir aos maus-tratos e à brutalidade do Estado brasileiro contra seus cidadãos é reconhecida por muitos e faz parte integrante dos livros de história. No entanto, a batalha individual de João Cândido por sua dignidade, buscando uma qualidade de vida minimamente adequada para sua família, é uma faceta muitas vezes negligenciada nos registros históricos.

João Cândido passou seus últimos anos na cidade de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, distante do mar que tanto amava e foi literalmente perseguido ao longo de toda a sua vida, inclusive até o momento de sua morte. Seu filho, Senhor Candinho, revela que mesmo durante o sepultamento de seu pai, havia temores entre amigos e familiares de serem alvo do serviço de informações da ditadura no ano de 1969, um dos períodos mais sombrios dessa era de perseguição durante a ditadura militar no Brasil. Este aspecto particular da história destaca a persistência do clima de apreensão e vigilância ao qual a família de João Cândido foi submetida, mesmo em momentos tão íntimos como no seu funeral.

Após a redemocratização nos anos 1980, iniciou-se um processo gradual de reconhecimento que se consolidou durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, nos primeiros anos de 2000, com registros e homenagens.

Mais recentemente, membros de diversos movimentos sociais, principalmente da Baixada Fluminense, têm se dedicado a contribuir para a reparação histórica que a sociedade brasileira, especialmente o Estado Brasileiro, deve a João Cândido. Entre os avanços conquistados, destaca-se o reconhecimento de Cândido como herói municipal, com uma medalha em seu nome concedida pela Câmara de São João de Meriti, e sua inclusão no livro de heróis e heroínas do estado do Rio de Janeiro. Sua estátua, inaugurada nos anos 2000, foi reposicionada em local de destaque. No entanto, ainda há muito a ser feito, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento nacional e reparação para seus descendentes, que carregam a história da família marcada pela perseguição e sofrimento enfrentados por toda a família de João Cândido.

João Cândido como herói nacional

O movimento em prol do reconhecimento de João Cândido como herói nacional ganhou ganhou força na ultima década, entretanto, o Projeto de Lei do Senado n° 340, de 2018, enfrenta um trajeto complexo no Congresso Nacional. Diversos parlamentares, incluindo um identificado como pertencente à extrema direita, têm obstaculizado o andamento do processo, mantendo uma postura resistente perante um personagem de importância crucial, não apenas para a luta contra o racismo, mas também para os direitos dos praças da Marinha.

Desde 17 de novembro de 2021, o projeto de lei foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Em 2024, membros da sociedade civil, em colaboração com parlamentares e representantes do poder público, empenharão esforços para incluir o projeto na pauta da última votação, para que seja aprovado e siga para a sanção presidencial. Assim, após o recesso, serão contatados os parlamentares da recem formada Bancada Negra do Congresso, e a OSC ComCausa já estabeleceu contato com o Ministério da Igualdade Racial e mantem diálogo com o Ministério dos Direitos Humanos, para que se unam ao movimento em prol do reconhecimento imediato de João Cândido como herói nacional.

Para que serve o museu João Cândido?

Ao mesmo tempo, fortalece-se o movimento para finalizar a instalação do Museu e da Casa de Memória João Cândido em São João de Meriti. A Casa de Memória atuará como um centro cultural, prestando homenagem ao marinheiro da Revolta da Chibata, enquanto o Museu João Cândido desempenhará um papel crucial, especialmente para as novas gerações da Baixada. Ele reitera a presença do herói negro, proveniente de uma linhagem de ex-escravizados, representando uma figura com a identidade e a cor de nosso povo. Com coragem diante da violência e da adversidade, confrontou um Estado racista que considerava outros brasileiros como inferiores, sujeitos a maus tratos, condições de vida degradante e à chibata. Isso evidencia que é possível superar desafios mesmo diante da violência e adversidade, tornando-se uma fonte inspiradora, especialmente para os mais jovens.

O Museu João Cândido desempenha um papel crucial não apenas ao preservar uma parte significativa da história de resistência ao racismo e à violência estatal, mas também ao ressaltar que essa luta persiste até os dias de hoje em nossa sociedade. A escolha da localização para o museu enfatiza esse aspecto, situado no Morro do Embaixador, entre Duque de Caxias e São João. Este local se torna um ponto de luz, um farol sobre a dura rocha da realizada, que pode servir como uma referência positiva constante no cotidiano, especialmente para a jovem população negra da Baixada Fluminense.

GRES Paraíso do Tuiuti homenageia João Candido

A Escola de Samba Paraíso do Tuiuti prestará uma homenagem a João Cândido através do enredo “Glória ao Almirante Negro!” durante o desfile no dia 12 de fevereiro, segunda-feira de Carnaval, na Marquês de Sapucaí.

Com sede em São Cristóvão, a agremiação, sob a liderança do presidente Renato Marins, conhecido como Renato Thor, busca não apenas encantar o público com um espetáculo vibrante, mas também ressaltar João Cândido como um autêntico herói na história do povo brasileiro. Já Jack Vasconcelos, carnavalesco encarregado do espetáculo, destacou a importância histórica da Revolta da Chibata, enfatizando que o “movimento liderado pelos marinheiros representava os anseios e a resistência do povo mais humilde do Brasil”.

Movimentos farão campanha para o samba da Paraíso do Tuiuti

Movimentos sociais e ativistas se unirão em uma campanha em prol do samba da escola Paraíso do Tuiuti, reconhecendo a importância do Carnaval como uma expressão cultural legítima do Brasil, bem como a relevância do tema proposto pela Escola de Samba Paraíso do Tuiutiipara o Carnaval de 2024. Para alcançar esse objetivo, a Organização da Sociedade Civil (OSC) ComCausa está organizando e estruturando conteúdos que serão divulgados em diversos canais de redes sociais da instituição e de colaboradores. Esses conteúdos também serão compartilhados em um grupo no WhatsApp, podendo ser replicados por qualquer pessoa, pois a iniciativa é aberta a todos.

A campanha em apoio à agremiação carnavalesca terá início em 20 de janeiro, no dia de São Sebastião, que é padroeiro do Rio de Janeiro e da escola de samba Paraíso do Tuiuti, e se estenderá até o desfile de Carnaval.

Apoio da sociedade

A população brasileira, em sua totalidade, é chamada a refletir sobre a importância de reconhecer e reparar a história de João Cândido, que ousou desafiar as injustiças e lutar contra a opressão racial. Sua trajetória é uma parte essencial do legado histórico do país e merece ser lembrada e celebrada, não apenas em São João de Meriti, no estado do Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil.

Comissão da ALERJ no apoio ao reconhecimento do marinheiro João Cândido

| Portal C3 | Portal C3 Oficial

| Comunicação de interesse público | ComCausa

| Virtuo Comunicação

Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa