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“Cálice”: A Canção Censurada que Desafiou a Ditadura Militar Brasileira

Era o ano de 1973, e a gravadora Phonogram (atual Universal) preparava o aguardado show Phono 73, no prestigiado Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo. O evento prometia reunir as maiores estrelas de seu elenco, incluindo os renomados artistas Gil e Chico, para uma apresentação em dupla.

A expectativa estava no ar quando chegou o dia tão esperado do show. No entanto, o que deveria ser uma performance marcante de “Cálice”, composição dos próprios Gil e Chico, acabou se tornando um momento de censura e resistência. Os microfones foram cruelmente desligados assim que os artistas começaram a entoar a canção.

O motivo da censura estava claro: “Cálice” havia passado pelo crivo da censura prévia e, devido à natureza de suas letras, foi proibida de ser cantada. Segundo relatos, Gil e Chico foram recomendados a evitar a apresentação da canção, mas eles decidiram tentar de uma forma criativa: cantar apenas a melodia e pontuar com a palavra “cálice”. Infelizmente, essa tentativa também foi reprimida e o som foi cortado pela Phonogram.

O Jornal da Tarde relatou que a gravadora tomou essa atitude para evitar que a música, mesmo sem a letra original, fosse exposta ao público. O público, frustrado e indignado, testemunhou Chico tentando usar os microfones mais próximos, que também foram silenciados em seguida.

Contudo, a história de “Cálice” não termina ali. Cinco anos depois, em novembro de 1978, a canção finalmente viu a luz do dia no álbum de Chico Buarque, ao lado de outras canções igualmente censuradas pelo regime militar, como “Apesar de Você”, “O Meu Amor” e “Tanto Mar”. Chico deixou claro na época que aquelas canções eram diferentes do que ele estava acostumado a compor, já que estava focado no repertório de “Ópera do Malandro”. No entanto, ele sentiu a necessidade de registrá-las, pois a liberação tardia não apagava o prejuízo da censura imposta.

Na gravação do álbum, as estrofes de Gil, que naquele momento estava trocando de gravadora, foram interpretadas por Milton Nascimento, que emocionou o público com um dramático arranjo de Magro, ao lado do grupo MPB4.

“Cálice” é uma poderosa composição repleta de metáforas, usada por Chico Buarque e Gilberto Gil para denunciar as injustiças sociais vividas durante a ditadura militar brasileira. A canção expressa o desejo fervoroso de livrar o Brasil das desigualdades e da opressão governamental. Os artistas corajosamente abordaram o envolvimento de políticos em mortes suspeitas, as cruéis práticas de tortura e repressão sofridas pelas vítimas, e a vontade de libertar-se das amarras impostas pelo regime militar. “Cálice” é uma poderosa mensagem de resistência, que revela nas entrelinhas a dura realidade daqueles tempos sombrios.

Gil e Chico cantando apenas a melodia:

Ouça a música completa:

Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa