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Campanha: O drama dos ataques à Aldeia Maracanã

Em março de 2013, a Aldeia Maracanã, situada ao lado do icônico estádio no Rio de Janeiro, foi cenário de um intenso confronto entre a polícia e a comunidade indígena ali estabelecida. O antigo Museu do Índio, uma estrutura datada de 1862 e repleta de significado histórico e cultural, tornou-se o centro das atenções quando os indígenas residentes, incluindo crianças e adultos de diversas etnias, foram informados sobre uma decisão judicial que concedia a posse do terreno ao Estado do Rio de Janeiro, o qual pretendia demolir o prédio para construir um novo museu.

Entretanto, alguns dias antes, por ordem do então governador Sergio Cabral, homens do Batalhão de Choque da PM cercaram o prédio do antigo museu em 12 de março, mas, sem ordem judicial para adentrar o local, se mantiveram em uma presença ameaçadora no entorno do prédio. Diante deste quadro, apoiadores externos e representantes dos direitos humanos intervieram. Foi nesse contexto que a ComCausa se viu participando desta história, a pedido da coordenação dos Centros de Referência em Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Na ocasião, o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) ComCausa foi encarregado de acompanhar toda a movimentação sendo, inicialmente designado como observador, mas acabou desempenhando o papel de intermediário entre os indígenas, os representantes da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, e alguns integrantes das forças policiais.

Em 15 de março de 2013, uma sexta-feira, os indígenas finalmente receberam a notificação de uma decisão judicial da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, autorizando o governo a iniciar a operação de retirada dos moradores do local. O aviso concedia um prazo de 72 horas para a desocupação do imóvel, excluindo os dias do final de semana. A situação escalou quando os indígenas e seus apoiadores tentaram impedir a saída do defensor público da União, da então subsecretária estadual de Direitos Humanos, bem como de um procurador do Estado e de um oficial da Justiça Federal.

Proposta do governo estadual

O Governo do Estado apresentou aos indígenas a opção de transferência para três locais – Jacarepaguá, Bonsucesso e Visconde de Niterói – onde ficariam temporariamente até a construção do Centro de Referência da Cultura Indígena. Durante a espera pela finalização dos alojamentos, os indígenas teriam acomodações em um hotel no Centro do Rio, com direito a três refeições diárias, ou poderiam optar pelo benefício do aluguel social no valor de R$ 400. Em colaboração com a Prefeitura do Rio, um andar do Hotel Acolhedor Santana II seria reservado exclusivamente para os indígenas. Contudo, a proposta de alojamento em um hotel no centro da cidade – na verdade um local para pessoas em situação de rua – não levou em consideração as necessidades culturais dos indígenas, tais como espaço para rituais, alimentação específica e prática de suas danças. Portanto, a proposta do governo foi considerada inviável, especialmente diante da falta de definição quanto ao período que os indígenas permaneceriam no hotel.

O governo estadual lava as mãos

Diante da recusa dos indígenas em deixar o prédio, a Secretaria de Assistência Social do Governo do Estado declarou, na manhã de sexta-feira, dia 15, que o Estado “não abrirá mão de que o local abrigue um Museu Olímpico” e que “Agora é com a polícia. Os índios serão levados para onde devem ficar, que é o hotel popular”.

Desocupação violenta

Sob uma atmosfera de tensão e expectativa desde cedo na sexta-feira, 22 de março de 2013, a polícia cercou a Aldeia Maracanã com aproximadamente 100 oficiais, motocicletas, viaturas e veículos blindados para assegurar a desocupação do local. A polícia ingressou na área do prédio por volta das 11h50 para executar a ordem de desocupação, que só se concretizou à noite, quando os policiais empregaram força para dispersar os manifestantes, utilizando balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta.

A ação violenta de despejo dos índios e manifestantes do antigo Museu do Índio pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar ganhou destaque na mídia internacional. Nas redes sociais, muitos condenaram a ação do governo. A Defensoria Pública, que acompanha o caso desde o início, criticou a operação policial por ser precipitada e por usar força excessiva. O defensor público mencionou que está avaliando a possibilidade de processar o comandante da PM responsável pela operação por abuso de autoridade, o que não aconteceu.

A ação teve repercussão mundial, com agências de notícias como a Reuters destacando a expulsão dos indígenas, reportando que a polícia do Rio desalojou “nativos da Amazônia de um local destinado à Copa do Mundo.

Reocupação

Ativistas e membros de comunidades indígenas organizaram um movimento para retomar o antigo edifício do Museu do Índio, resultando na reocupação da Aldeia Maracanã em 20 de outubro de 2013. Desde então, a Aldeia Maracanã tornou-se um ponto central para discussões sobre os direitos dos povos indígenas em zonas urbanas e a conservação de locais históricos. Essa mobilização culminou na decisão de preservar o prédio, representando uma conquista significativa para os ativistas e defensores da cultura indígena.

Novas ameaças à Aldeia Maracanã no Início do Governo Bolsonaro

No início de 2019, a Aldeia Maracanã tornou-se palco de controvérsias protagonizadas pelos deputados bolsonaristas, o deputado estadual Rodrigo Amorim e o deputado federal Daniel Silveira, conhecidos por atos como a quebra da placa em homenagem a Marielle Franco.

Os deputados proferiram ameaças e declarações racistas, afirmando que a Aldeia Maracanã era um “lixo urbano” e que “A verdade é que a Aldeia Maracanã virou uma área de consumo de drogas”. Também afirmaram que “a revitalização era necessária para restaurar a ordem” e que “quem gosta de índio, que vá para a Bolívia”, conforme declaração de Rodrigo Amorim, que defendeu suas ações ao afirmar que o terreno é um “terreno baldio, cheio de mato e lixo. Um local de refúgio que abriga imigrantes sem relação com qualquer comunidade indígena. Há uma oca ali para dar uma aparência diferente ao local e criar uma conexão, mas a verdade é que se tornou uma área de consumo de drogas para delinquentes e marginais”.

Na época, a ComCausa enviou ofícios para a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, bem como para o então Ministério dos Direitos Humanos da Mulher, notificando sobre o risco até mesmo de possíveis atentados contra os ocupantes da aldeia e que os deputados teriam responsabilidade por incitarem a violência contra os moradores do local. O propósito desses ofícios era fazer com que essas informações chegassem aos deputados, considerando que eles estavam ligados aos governos estadual e federal, para que qualquer caso de violência fosse associado à ação deles, pois temia-se que as situações criadas pelos deputados escalassem para outro nível, podendo levar à violência no local.

Após meses sem declarações ou incidentes, em setembro de 2020, às vésperas do processo eleitoral, relatos compartilhados na página oficial da Aldeia Maracanã no Facebook, entre outras mídias, denunciaram que os deputados voltaram ao local com seis homens armados, e que teriam feito declarações agressivas para gerar repercussão e provocação com claras intenções de desalojar os ocupantes. Novamente, a ComCausa enviou ofícios, mas desta vez para a secretaria de polícia civil e secretaria de polícia militar, já que na época o estado do Rio estava sem secretaria de segurança, além para a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, bem como para o então Ministério dos Direitos Humanos da Mulher, destacando o risco que os integrantes da Aldeia Maracanã corriam e a responsabilidade dos deputados, enfatizando que “As ações dos políticos na região têm sido interpretadas como provocativas e prejudiciais pelos ocupantes da aldeia”.

O futuro da Aldeia Maracanã permanece incerto, com a comunidade indígena resistindo à pressão política e social. Enquanto os deputados bolsonaristas veem o local como um empecilho ao desenvolvimento urbano, os ocupantes e ativistas o consideram um bastião de resistência cultural e um símbolo da luta contínua pelos direitos indígenas no coração do Rio de Janeiro. A situação exige um diálogo mais abrangente e sensível, que considere tanto as necessidades urbanas quanto a preservação das heranças indígenas. As controversas ações não apenas sublinham as tensões entre desenvolvimento urbano e conservação cultural, mas também destacam a complexidade das relações entre os povos indígenas e o governo em cenários urbanos modernos.

Histórico e descrição da Aldeia Maraká’nà

A história da Aldeia Maraká’nà começa com a fundação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, por Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Ele estabeleceu que a área na rua Mata Machado, no bairro Maracanã, abrigaria um museu dedicado aos primeiros habitantes do Brasil. Em 1953, sob a liderança do etnólogo Darcy Ribeiro, o museu foi inaugurado, representando um marco na técnica museográfica. No entanto, após a mudança de sede em 1977 para um prédio histórico em Botafogo, o antigo Museu do Índio foi abandonado.

Em 2006, o local ganhou nova vida quando um grupo de indígenas ocupou a área, reivindicando a transformação do espaço em um centro cultural. A aldeia agora abriga doze famílias de diversas etnias em casas construídas com materiais como madeira, amianto, plástico, sapê e bambu. A ocupação originou-se de cerca de 35 indígenas de 17 diferentes etnias e marcou o início da Aldeia Maraká’nà.

O local não é apenas um refúgio de resistência, mas também um espaço de intercâmbio cultural. Aberta ao público, especialmente ao não indígena, a aldeia serve como uma plataforma para educação intercultural, promovendo a compreensão e o respeito por diversas tradições culturais brasileiras. Com atividades que desconstroem estereótipos e preconceitos, a aldeia contribui para uma sociedade mais inclusiva. Tornou-se um ponto de referência indígena no Rio de Janeiro, demonstrando a resiliência e vitalidade dessas culturas em um contexto urbano e destacando-se como um exemplo de como espaços culturais podem ser revitalizados para fomentar diversidade e justiça social.

Memória: Atualizado em março de 2024.

Comunicando ComCausa

Projeto Ponto de Cultura e Mídia Livre da ComCausa.