David Kato o professor que liderou a luta por direitos LGBTQIAP+

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David Kato
David Kato

David Kato se tornou símbolo da luta LGBTQIAP+ no cenário político internacional por ter assumido abertamente sua homossexualidade e lutado em favor dos direitos LGBTQIAP+ em Uganda, onde as relações homo afetivas são proibidas por lei. Isso culminou no seu assassinato de maneira brutal no dia 26 de janeiro de 2011.

O professor teve a oportunidade de sair do país e morar na África do Sul, onde contaria com leis e proteções melhores aos seus direitos como LGBT, mas se recusou e decidiu lutar pelos seus direitos em Uganda, onde afirmou nunca ter tido planos de sair.

Em Uganda como um professor bem-conceituado, ele também podia ter permanecido no armário, mas David tratou sua sexualidade da forma mais pública possível, se assumindo como homem gay durante uma coletiva de imprensa que resultou em sua prisão.

Em novembro de 2009, ele discursou na perante a Comissão de Direitos Humanos da Uganda. “A comunidade LGBT nos oferece solidariedade, pertencimento. Quando nos assumimos, sofremos sozinhos por anos. Mas no minuto em que você percebe ‘Ah, esse aqui é como eu’, então somos irmãos; então somos amigos; e então somos parceiros na luta” disse ele.

O evento foi criado para criminalizar “a prática e o recrutamento homossexual”. A princípio, membros das Organizações das Nações Unidas (ONU) não haviam encontrado nenhum representante da comunidade LGBTQ disposto a se pronunciar no evento, uma vez que ele estaria repleto de autoridades ugandesas.

Por lá, estava presente David Bahati, político ugandense membro do Parlamento e do partido do Governo, autor da lei a ser debatida, que determinava pena de morte a adultos que “praticassem o ato homossexual”. Também participavam da reunião James Nsaba Buturo, ministro de Ética e Integridade, e o Pastor Martin Ssempa, uma das principais lideranças anti-LGBT e fundador da Igreja da Comunidade Makerere.

David terminou seu discurso e saiu às pressas da reunião, que entrou para um intervalo. Logo em seguida, Ssampa voltou ao palco com imagens explícitas do que descreveu como “sexo gay”. Inflamado e ultrajado, o público presente perguntou aos gritos, enquanto batia nas mesas, “por que ninguém havia prendido os homossexuais de Uganda quando tiveram a chance”.

Sua militância não foi só pelo discurso, Kanto fundou a Sexual Minorities Uganda (SMUG) “Minorias Sexuais da Uganda”, onde trabalhava com o registro e documentação das violações de direitos humanos. De forma mais pessoal, ele ficou conhecido por abrigar em sua casa mulheres lésbicas que foram submetidas ao “estupro corretivo”.

David foi um filantropo em vida e, mesmo não tendo muito, dividia tudo o que tinha. Dentre os sacrifícios que fez, está o ódio e escrutínio público ao qual ele se submeteu, enquanto fazia uma campanha para melhorar os direitos da comunidade LGBTQ em Uganda. E parte desse escárnio veio na capa do jornal Rolling Stone (sem qualquer relação com a revista norte-americana de mesmo nome).

Em 2 de outubro de 2010, o Jornal Rolling Stones de Uganda publicou uma capa com a manchete “100 fotos dos principais homossexuais da Uganda”. As fotos de David e outro homem estampavam a edição, com a chamada “Enforque-os” e, no interior, o endereço do ativista, além de falsas alegações que homens gays estariam “recrutando 100.000 crianças inocentes” e “pais estão de coração partido enquanto bichas dominam escolas”.

Fundado há menos de um ano, o jornal foi processado pelo ativista, que conseguiu na Justiça uma ordem que impedia o veículo de divulgar qualquer dado que identificasse supostos homossexuais em suas páginas. Menos de três meses depois da vitória judicial, em 26 de janeiro de 2011, David Kato foi assassinado com dois golpes de martelo na cabeça, horas depois de ter falado com um amigo da SMUG sobre o aumento de ameaças contra ele nas últimas semanas.

A polícia tentou culpar o crime pelo aumento da violência naquela região. Mais tarde, o jardineiro Sidney Enoch foi condenado pelo crime e as autoridades locais explicaram que a motivação não foi um roubo e nem porque Kato era ativista. Foi um desentendimento pessoal, mas não podemos dizer mais que isso”. Em cartas entregues à Humans Rights Watch e ao Parlamento Europeu, amigos de David e embaixadores explicaram que o assassinato ocorreu porque o ativista se recusou a pagar Enoch para manter relações sexuais com ele.

Mesmo o funeral de David foi marcado pela homofobia gritante da Uganda e sua luta contra esse regime. O padre que oficializou a cerimônia fez um discurso inflamado no qual condenou gays e lésbicas, evocando a versão bíblica de Sodoma e Gomorra. Os amigos do ativista então tiraram o microfone de suas mãos e o retiraram do local. Mais tarde, eles carregaram sozinhos o caixão para outro lugar, onde um outro padre excomungado pela Igreja Anglicana terminou o serviço.

O assassinato de David foi condenado por figuras como Barack Obama e a então secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, além de ter motivado posicionamentos oficiais de inúmeros órgãos em defesa dos direitos humanos e LGBTQ. Hoje, quase 10 anos depois, pouco parece ter mudado na legislação e no respeito da Uganda à diversidade.

Texto Adaptado do original de Laura Daring

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