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Entrevista TT Catalão

Em uma tarde ensolarada de verão saio da Baixada para buscar no aeroporto o “representante do Ministério da Cultura” que participaria da inauguração da sede da ComCausa. No percurso fico relembrando os três anos de atuação da ComCausa como forma de subverter o nervosismo por receber uma autoridade em um evento feito com tantas dificuldades.

Ao encontrar com TT Catalão sou saudado por um caloroso sorriso e a saudação: – E aí camarada! No percurso de volta, conheci muito mais do que tinha me informado sobre o ‘diretor de cidadania cultural do Minc’, sobre o jornalista, poeta, letrista e ativista cultural. TT Catalão era uma daquelas pessoas fascinantes que você conhece na vida e que, minutos depois, tem a “sensação” que freqüenta as mesmas trincheiras ideológicas há tempos. Além disso, vim a descobrir que Catalão teve uma história de vida e militância na Baixada Fluminense.

No dia seguinte ao lançamento da sede da ComCausa, TT Catalão deu uma entrevista na Rádio B Fluminense FM, abaixo registramos um pouco desta conversa.

O que é o programa Mais Cultura?

  • O ‘Mais Cultura’ é um programa que começou em 2004, no Ministério da Cultura quando o Ministro ainda era o Gil (Gilberto). O programa foi formatado, incentivado em todas as coordenadas pelo Célio Turino, que é o Secretário de Cidadania Cultural. O ‘Mais Cultura’ tem uma característica fortíssima que é o Estado potencializar o que já existe, ele trabalha com as forças vivas da sociedade. O Estado não tem nenhuma arrogância de chegar e determinar “o que é e o que não é”. Trabalha com a potencialização do que já é forte, do que já existe. Na verdade quando um grupo se torna um Ponto de Cultura ele já era “ponto de cultura” na prática. Um caso muito forte é o da ComCausa, que já tem um trabalho reconhecido, de articulação com as comunidades e próximo às autoridades. Já que as entidades são mediadoras até onde não há poder público, até onde o poder público falha. São forças que surgem como mediação ali naquele local e entram no meio dessa “guerra”.

Quantos Pontos de Cultura existem hoje?

  • Começamos com 400 e hoje são cerca de 2.500 em todo o Brasil. É um trabalho comovente, pois são quilombos, tribos… Pontos urbanos, Pontos rurais, Pontos em acampamentos do MST… é uma rede fortíssima e a minha alegria maior de estar aqui com a ComCausa, com este brilhante caminho que vocês encontram com o seu conceito de “cultura de direitos”, para trazer isso tudo para dentro da Lei. É mais um Ponto que vai fortalecer a Rede

Como é essa rede?

  • Ponto ligado a outro e forma uma linha, e as linhas formam as idéias. É assim que a gente constrói esse momento novo e importante de uma política de cidadania ativa. Não aquela cidadania de vamos dar as mãos e esperar que Deus resolva para gente as coisas. É aquela coisa de você ficar na frente, e se respeitar naquilo que você tem a dizer, pois aquilo que você tem a dizer é importante. Tenho até um dos lemas – do primeiro encontro da Teia, que são os encontros nacionais dos Pontos de Cultura – em que eu fiz um poema encima disso: “Tua cultura é tua, tua cultura atua”.

Quais são as outras frentes do programa?

  • Não, ele tem os agentes de Cultura Viva, que são bolsas para articuladores; tem o programa Cultura Digital que é fundamental… e ai a ComCausa vai bater muito legal, vai rimar muito com o Cultura Digital – que trabalha com software livre – e trabalha com um sistema de documentação e comunicação. Têm os prêmios… como o “Areté”… tendo a ComCausa inclusive ganho um desses prêmios nacionais – o Ponto de Mídia Livre – e não foi só pelo jornal, que é muito bom. Esta própria rádio, que está integrada com o trabalho, mas também pela possibilidade de exploração disso. Ah! Voltando, tem os Pontinhos de Cultura, um trabalho muito legal, especificamente com as crianças; Tem a Nação Griot, que trabalha com os mestres do saber, e que hoje no Brasil são cerca de 680 mestres.

Quem são os contadores de história?

  • O Nação Griot é um reconhecimento dessa memória que acaba indo pro buraco e a gente precisa criar uma mecanismo de respeito à esta tradição, mas não é um culto, não é uma volta ao passado, não é um dogma, uma religião de culto ao passado. É trazer essa sabedoria e ver o quanto essa tradição pode funcionar hoje no presente. Pois quando a gente perde a nossa história, nosso sentido de pertencimento, ao nosso lugar, a gente fica mais fraco e pode ser melhor controlado por quem interessa. Você é manipulado, perde o censo crítico, perde aquela “desenvergonha” de morar naquele lugar. Então a gente começa a ver essa força nascida de relatos dos mais velhos, pessoas que viveram momentos daquele lugar e que precisam ser contados.]

Griot é um nome africano, mas de origem francesa?

  • Sim, eram os que faziam um sistema de transmissão. A gente fala isso hoje, essa rádio aqui seria um… mas a forma de transmissão era oral. A gente ainda acredita e é muito interessante. Por exemplo, tem casos de relatos de griots, que tem um encantamento, um envolvimento com a fala, um poder de sedução de beleza tão grande que é bonito você ver, mesmo gravados, assim sem nenhum efeito especial, com a câmera parada. Mestre Afonso, mestre de maracatu, ele tem um DVD de 40 minutos só uma câmera parada e ele contando histórias, ou seja, é um negócio tão encantador que você não sente a menor falta de ruidinhos, não precisa botar a MTV para tornar aquilo interessante. Isso é uma outra questão que a gente também trabalha com os Pontos de Cultura.

O Ministério agora esta procurando trabalhar na questão das linguagens?

  • Sabe, o Brasil tem maravilhas e neste momento o interesse do Ministério da Cultura é considerar estas diversidades. Aí o respeito às linguagens, o jeito que cada um tem de fazer, o tempo que cada um tem de fazer, por que cada um tem um tempo diferente. Exemplo, um Ponto de Cultura fortíssimo que é o “vídeo nas aldeias”, que acabou de ganhar um prêmio em Gramado, e tem uma vasta produção, vídeos online, tem o ‘Arco Digital’… os cineastas quando vêem as filmagens feitas nas aldeias notam um tempo diferente da relação com a imagem, até os ângulos, os cortes, as escolha da luz. Isso é bacana, a gente estar começando a documentar, começando a trazer até os Pontos um pouco também dessa discussão, das linguagens. Iguais a esta rádio, uma rádio rock que está em uma área urbana, e tem o seu espaço, mas isso não invalida de você fazer umas misturas que é uma das maravilhas do Brasil. O Maracatu da Aliança, por exemplo – fica em Nazaré da Mata (município da zona da mata de Pernambuco) que tem 43 maracatus rurais – já gravaram 4 cds dentro de um canavial, quer dizer, se isso não é uma revolução, se não é uma transformação profunda!!! Mas é claro que você nunca viu isso num Fantástico, isso não dá Ibope, ninguém nem está mais se importando com isso.

Como é a produção de cultura hoje?

  • Há uma diversidade de produção no Brasil, uma produção assim… eu citei a rádio rock de vocês e lembrei do trabalho do canavial… Tem um grupo, por exemplo, que tá aqui no Rio, chamado Afonxá, que trabalha com reggae e rock, usa elementos do maracatu, como Chico Science deitou e rolou, e que começou com Alceu (Valença) já começando a eletrocutar um pouco. Então, esse é o barato das misturas, isso nasce dos encontros, por isso os Pontos de Cultura têm essa dimensão forte e a ComCausa tem um caminho fértil ao entrar nessa família, nessa grande rede porque a ComCausa tem o que falar, ela está comprometida em tudo o que faz e tem muito a trocar. Existe nos Pontos um sistema de troca e compartilhamento muito forte e isso tudo nasce de decisão pessoal até. É um projeto político, mas é um projeto que não tem um formato ideológico. Claro que a organização partidária é fundamental, mas ninguém pede crachá a ninguém para entrar num ponto de cultura. Ninguém pergunta se é de direita, de esquerda, do candomblé, se é evangélico… Ninguém impede o trabalho dentro de uma construção. Quando vocês me mostraram a sede (da ComCausa) que está em construção, é igual ao programa (Pontos de Cultura) que está numa construção permanente e ele não tem dono, tem umas figuras que são lideranças, mas que não são donos específicos por que na verdade está se configurando muito mais como um programa de Estado do que um governo.

Adriano Dias (comentário) – Eu estava até conversando com o TT, fazendo um “mea culpa”, quando fiquei sabendo do programa dos Pontos de Cultura, lá no seu inicio, fiz coro com algumas pessoas em uma posição de crítica. Pois na época achava simplório demais. Depois o próprio conceito dos Pontos norteou a forma de atuação da ComCausa: respeitar a vontade, a forma de fazer cultura de cada grupo ou pessoa, e tentar trocar, somar, potencializar dentro de uma causa maior, no nosso caso, da cultura de direitos.

  • Esta forma foi uma grande guinada do Ministério da Cultura, aí a força de Gil nesse momento foi fundamental. Romper com certos conceitos formatados, da cultura somente como evento… o evento só interessa as celebridades. Gil formatou o Ministério da Cultura para trabalhar com três eixos: a diversidade cultural do Brasil; a cultura como cidadania e como eixo econômico. Porque há uma economia criativa, e hoje tem como provar, há índices. Na época, me lembro no início de Gil, a gente ía no BNDES, sentava com os burocratas e o cara lá falava assim: “Prova! Cadê os números da cultura?” E a gente respondia: “Então tá legal, é número que vocês querem?” E começou-se a trabalhar muito fortemente neste sentido, e agora o IBGE tem dados, pois você tem que trabalhar um pouco a “linguagem do lobo” é isso o que o lobo quer, aquela coisa “dá a Cristo com Cristo, dá a César o que é de César”. Vai lá paga o teu imposto, pois ninguém te bota em cana por pagar imposto, e faz a tua vida.

Seria enquadrar burocraticamente, para contribuir oficialmente com que o os movimentos sociais produzem?

  • Você cria um outro tipo de abordagem em que o maior malandro é o que tem todos os documentos, não fica num negócio de uma “marginalia ilusória em que nego te acha fácil”, está mais difícil. Quer dizer, você dá visibilidade, dá legitimidade como a ComCausa, que tem essa força e hoje recebe uma marca oficial, é de um sistema oficial, uma instituição reconhecida pelo Governo Federal. Você está dando um crachá, mas é um crachá do bem, é para ficar mais forte.

A ComCausa procura trabalhar com este conceito de visibilidade.

  • Esses grupos e comunidades não são mais aquela coisa que se descarta fácil, como um lixinho que se joga embaixo do tapete e fala assim: “Ah coitadinhos! Deixa pra lá, eles não tem voz!”. Quer dizer, hoje numa rede de 2.500 pontos, além do trabalho que a ComCausa tem aqui de articulação na Baixada Fluminense, ela tem um grito nacional… e internacional pois são 23 núcleos de Ponto de Cultura no mundo. Vai ficando mais difícil você ser chutado pro lado, tipo “Cala a boca!” ou “Eu não vou te receber, você não significa nada para mim”. Pode até continuar, pois é uma elite totalmente alienada da beleza de seu povo… essa elite brasileira não merece o povo que tem.

Você trabalhou muito fotografando e documentando os Pontos de Cultura, conte um pouco desta experiência.

  • Viajei muito, então eu conheci o Mestre Fortunato, em um Ponto de Cultura no litoral de São Paulo chamado “São Sebastião tem alma” – o que já é uma forma de dizer: “olha, estamos aqui!”. O Mestre Fortunato tem uma congada em São Benedito , para você ver o grau de sofisticação, o cara lá no meio das montanhas do litoral, de repente faz uma congada e usa aquele chitão de cor bonita e – que tirou lá da cabeça dele – jogou uma renda em cima do chitão. Aí teve um grupo de designer italianos visitando o Ponto, os caras ficaram doidos e levaram a idéia para uma dessas “fashion week”. Porque o cara teve a sacada de quando a congada dança, aquela renda branca sobre o chitão criou uma superposição que uma hora é a cor do chitão forte, outra hora dá uma filtrada na cor… o cara é um pescador e “deveria” ser um ignorante, mas que nada, a cultura daquele cara é algo vasto. Uma rádio em São Paulo , como a de vocês aqui, que até atuou na primeira Teia, o lema deles era assim: Chegou a hora de falar quem só ouvia. Que eu achei muito interessante. O que é isso? É uma frase para dizer: gente acorda que esse povo tem talento, tem força e não é uma demagogia fetichista como foi talvez até nos anos que eu vivi nos anos 1960. Tinha uma vanguarda que queria que o povo viesse: “venham, pois nós vamos conduzi-los ao paraíso socialista”. Ninguém esta conduzindo ninguém, é reconhecer que essa cultura existe e está em evolução, ela está se transformando, é mais como a “antropofagia” do Oswald de Andrade que é “comer, digerir e cuspir uma coisa nova”… e Gil já vinha com essa tradição por causa do Tropicalismo.

Seria enquadrar burocraticamente, para contribuir oficialmente com que o os movimentos sociais produzem?

  • Você cria um outro tipo de abordagem em que o maior malandro é o que tem todos os documentos, não fica num negócio de uma “marginalia ilusória em que nego te acha fácil”, está mais difícil. Quer dizer, você dá visibilidade, dá legitimidade como a ComCausa, que tem essa força e hoje recebe uma marca oficial, é de um sistema oficial, uma instituição reconhecida pelo Governo Federal. Você está dando um crachá, mas é um crachá do bem, é para ficar mais forte.

O Tropicalismo foi importante neste processo de mistura quando os caras botaram guitarras elétricas, como os Mutantes.

  • Um início de guinada… quer dizer, até politicamente hoje você pode fazer um discurso estético desses momentos políticos do Brasil, o próprio Paulinho da Viola quando botou contra-baixo no samba para pontuar alguma coisa ou João Gilberto que resume as batidas do violão numa “isso não é samba, isso é jazz, é norte-americano”, quer dizer são figuras que transmitiram isso, essas mudanças fortes através da arte e isso os Pontos de Cultura também têm.

Quer dizer, sim nós também podemos?

  • Sim, não é um bando de coitadinhos chorando pelas esquinas dizendo “me veja eu sou pobre, eu sou miserável”. Ninguém é vitima nesse sentido, é vitima pelas circunstâncias, pela adversidade social, perseguição policial… aí é uma vitima, mas no espírito o cara não é um vitimado, ele é forte, bonito, ele é bacana, ele sai pra rua, ele canta, e o cara que é cortador do canavial vira um guerreiro de lança. Estou me lembrando… se você visse o impacto que eu tive com um grupo de guerreiros de lança saindo de um canavial, não teve viajem que proporcionasse aquela explosão lisérgica de ver aquele bando de guerreiros saindo do canavial verdinho com aquelas lanças.

Como aquelas que Chico Science usou no “Maracatu Atômico”.

  • É, mais é diferente, o maracatu rural é uma música que parece funk, eles usam aqueles instrumentos todos, uma pauleira. Pô! O que é isso? Isso é o Brasil que está aí, você está aí para misturar e tal. A Tropicália, o Gil trouxe este espírito para o Estado, de considerar que a cultura brasileira está em processo, não está pronta, o que está pronto está acabado. É igual ao artista, não tem que estar pronto, e não dizer: “Ah! Cheguei ao máximo da minha obra e ninguém me reconhece”.

Tem que estar se reinventando?

  • Sim, eu digo sempre que tenho um nome a “zerar”. Não quero saber de antes ou depois, tenho que saber de agora, deste momento, de viver com intensidade este presente. Eu acho que é isso que as pessoas têm que fortalecer, tenha diploma na parede, não tenha. Temos um presidente que é um exemplo disso, inteligente, não é um Deus, claro, mas ele mostrou essa possibilidade de que é possível quando tem luta, quando tem garra e isso não falta ao povo brasileiro. Só que geralmente o sistema quer é narcotizar o povo. A grande mídia ajuda muito metendo na veia 50 doses de “fica calado”, “consuma”, que é uma armadilha muito forte a do consumo, que pega até muitos grupos que se acham “descolados”. Às vezes estes grupos estão no principio do “é meu”, “vou me dar bem”, é a famosa máxima do Gérson: “vamos levar vantagem em tudo”.

E isso não tem classe social nem cultural?

  • É, máximas que podem pegar o mendigo da esquina e o ministro, o empresário. Você pode achar no mendigo também “esse osso é meu”. Tem que tomar cuidado com esses truques, pois podem pegar qualquer um, até aquele com bandeiras lindas, bandeiras maravilhosas de revolução, salvação da humanidade. O cara quer salvar o mico-leão-dourado, mas destrói a bananeira que tá no quintal dele. A guerrilha, a luta hoje é diferente, é uma luta de muita consciência e de coerência, pois as pessoas cobram coerência porque a farsa cai em minutos, o cara que chega com papinho encaixa em alguns momentos, mas na primeira ação concreta ele derrapa porque ele vai ficar desmascarado, é só papo, só aparência.

Nós vemos muito isso, a máscara caí é na pratica.

  • Por isso os Pontos de Cultura são muito fortes, pois em geral são formados por lideranças comprometidas com a comunidade e esta não deixa se criar. Pode ser “enganadinha ali”, “manipuladinha aqui” por um cara mais charmoso, que joga uma conversa, mas não cola porque na hora de ver um buraco na rua, um esgoto fedido, aquelas coisas que parecem bem práticas, bem pequenas, que parecem que não vão fazer a grande revolução, a máscara caí. Essas pequenas coisas é que fazem o respeito pelos governos.

Você cria um histórico de vivência e militância aqui na Baixada? Conte um pouco disso.

  • Vim para a Baixada em 1956 e saí em 1972. Tive relações muito fortes aqui, mas num tempo clandestino, na verdade estou retomando uma história, por assim dizer, de política na Baixada, pois eu continuei vindo aqui, minha mãe mora aqui na Baixada, meu pai lamentavelmente faleceu em abril de 2009. Aprendi a mobilizar, a minha força de trabalho, aprendi aqui. Inclusive neste sentido de periferia, essa história que eu falo tanto de pertencimento, de não ser esmagado, de reagir, de acreditar nas suas forças, aprendi muito vivendo aqui.

Em um tempo bastante difícil, não é?

  • É, era isso, era clandestinidade mesmo, uma coisa pesada, tive alguns interrogatórios, prisões, uma na vila militar. Vivendo e sobrevivendo em uma área bastante complicada, onde a Igreja Católica era a possibilidade de sobrevivência de muitos grupos de esquerda. O Dom Adriano (Hypolito, Bispo da Diocese de Nova Iguaçu e militante pelos direitos humanos) era fundamental em nossa vida. Na inauguração da ComCausa fiquei muito emocionado porque a sede está no MAB, exatamente no espaço que Dom Adriano deu para o movimento social, e eu retomo de certa maneira com o trabalho dos Pontos de Cultura, viajando o país todo… Na inauguração da ComCausa eu conversei com o padre Justin Munduala (do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do Centro de Direitos Humanos Dom Adriano Hypolito), ele é da mesma congregação dos belgas que eram os padres que eu trabalhei: padres Henrique e Raf, que já faleceram; padre Pedro, o padre Fernando que ainda mora aqui no bairro Califórnia, aliás seria uma emoção grande reencontrá-lo. Estes, junto com Dom Adriano, faziam todo um trabalho de apoio naquela época. Em Nova Iguaçu encontrávamos a possibilidades escapar de certas armadilhas.

Você contou que alguns companheiros seus sumiram nesta época.

  • É, conheci e passei a valorizar, e aprendi muito na política com os heróis anônimos, têm muitos aqui. Na época, só de amigos meus, contando de cabeça, tem uns sete que sumiram. Mas eram pobres como eu. Então esses pobres, nem são chamados de heróis da resistência, não tiveram nem anistia, como eram todos filhos de gente muito pobre, amanheciam, como hoje amanhece, na vala de boca para cima… e vem pessoas e dizem “trocou tiro com a polícia”. Nem era nada, nego tava apenas extinguindo arquivo. Por isso eu estava num júri em São Paulo , para dar um prêmio de Cultura, e empatou um grupo da Baixada e um grupo mais badalado, mais forte. Aí eu falei, “olha, eu sou dessa região, eu queria dizer o seguinte, vou botar aqui na mesa um fator de risco para desempatar isso aqui”. Aí comecei a contar as coisas que a gente via aqui, como a repressão cai forte em quem não tem costas quentes, em quem não tem nem para onde correr. Daí a ComCausa ter essa importância de dar uma voz a estas pessoas, de mostrar que você não está sozinho, às vezes até somente para confortar… e esse é um valor que não está em nenhum manual metodológico, político ou partidário. Isso os políticos tem que aprender o que é a verdadeira bandeira da revolução. Aí que as coisas acontecem mais devagarzinho, por que esse valor de olhar no olho, e você sentir o humano ali dentro, não é para qualquer um não, o cara vai estar com 40 mil PHDs e não conseguirá tocar o sentimento. Bom! Aí eu falei “vou jogar aqui na mesa o fator de risco”, por que o prêmio era uma merreca, dinheirinho, não ia salvar, assim como também os Pontos de Cultura, a grana que vem é pouca, o reconhecimento do Governo Federal para um trabalho desses não salva, mas o programa te dá um crachá, que é um escudo porque tem gente que amanhece na vala com a boca pra cima e dizem “tudo bem, morreu o filho do Seu Zé”. Nem sabem o nome, é anônimo. Então deu para perceber muito que você não vê na história oficial a história dos anônimos. A história dos que não tem voz. Mas acho que é agora como aquela história da rádio de São Paulo, “chegou a hora de falar quem só ouvia”.

Você foi morar em Brasília quando?

  • Saí daqui com 24 anos, fui direto para Brasília e fiquei até hoje. Brasília e Nova Iguaçu são meus dois únicos lugares. Mas em Nova Iguaçu eu sempre vinha como filho, ver meu pai e minha mãe, e olhando de lado, pois nunca mais me meti em nada. Achava até meio estranho, umas pessoas meio estranhas com umas caras de aproveitadores, uns estrangeiros esquisitos, mas de longe. Nunca me meti, nunca articulei, nunca tive uma movimentação política. Mas dessa vez, a ComCausa – de uma certa maneira – é uma força que me tocou, por trabalhar em áreas que me tocam muito, principalmente nessa área de comunicação. E nesse sentido a gente (o Ministério) tem várias oficinas de jornalismo, uma delas é a “vicie-se ou vacine-se” que é a “criação de anticorpos contra as manipulações de mídia”, que eu acho um alerta legal, tem que ter, e a comunicação é um dado fundamental já que as pessoas hoje podem contar a história do seu ponto de vista. Isso é muito legal nos Pontos, eu vi inclusive um negócio muito legal no jornal da ComCausa que é o “Nunca fui, mas me disseram”, adorei esse título e é perfeito isso e eu senti muito na pele das coisas faladas alí, porque entre 1956 a 1972 era grande a fome de informação, e eu não tinha isso aqui (instrumentos de comunicação). O acesso hoje é uma maravilha, pois a gente vê os últimos sucessos em MP3. Eu fico encantado com essas possibilidades, embora a gente sempre ache que é uma espécie de farsa da informação farta, ela está muito disponível, mas se você não tem valores, se você não tem princípios, se você não sabe o que buscar, você fica perdido num oceano de porcarias. Inclusão digital não é apenas você ficar se masturbando no mouse em lan-house e dando tiro de escopeta estourando os miolos dos outros no jogo. Às vezes muitos Pontos de Cultura acham isso também, bota lá os computadores e fica lá em lan-house se masturbando com o mouse, com todo o respeito, a masturbação não é nada contra a moral não, é o mal usar um equipamento. Por isso tem muito truque nas aparências, a gente precisa ter um princípio no uso, alguma coisa ligada à educação é fundamental.

Para finalizar.

  • Eu estava conversando no lançamento da sede da ComCausa com o Marcão (Marco Antônio Coelho, foi um dos fundadores da ComCausa), e foi uma alegria conversar com ele, uma pessoa maravilhosa, é professor de filosofia, que eu não conhecia, e falávamos dessa coisa de sentimento revolucionário, um sentimento, um carinho, com causa, com carinho e com coragem…entendeu? Tem que ter essas coisas.

TT Catalão na inalguração sede da ComCausa em 2009:

| Matéria original de 20 de dezembro de 2009

– Atualizada 02 de janeiro de 2022

– Atualizada 27 de novembro de 2021 

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa

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