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Memória: fechamento do hospital psiquiátrico Dr Eiras de Paracambi

No dia 23 de março de 2002, o hospital Casa de Saúde Doutor Eiras foi definitivamente fechado após um longo histórico de violação aos direitos humanos, denúncias e sofrimento de muita gente.

Fundada na década de 1960, o manicômio era uma filial da Casa de Saúde Dr. Eiras de Botafogo e recebia exclusivamente pacientes psiquiátricos considerados “sem possibilidades terapêuticas”. Localizado longe da capital do Rio de Janeiro, o local se tornou um depósito de gente em sofrimento mental. “Encontramos pacientes internados há mais de 30 anos, mesmo com alta. Muitos desnutridos, nus, desassistidos: um campo de concentração”, conta André Ceciliano, que era prefeito de Paracambi na época da intervenção.

Por outro lado, o Manicômio Dr Erias era um bom negócio, quanto mais pacientes, mais lucrativo se tornava. O hospital tinha capacidade de receber cerca de 2.500 internos, mas já houve relatos de que até 3 mil pessoas ficaram ao mesmo tempo internadas na unidade. Não por acaso, nas décadas de 1970 até 2000, o hospital chegou a ser conhecido como o maior hospício privado conveniado à rede pública de saúde da América Latina.

“Foi um dos maiores crimes contra a população brasileira” – disse Adriano Dias da ComCausa – “A existência de lugares como este foi embasada pela política manicomial que era mais aprendida pelo lucro e legitimada pelos preconceitos, do que por princípios científicos”.

Fechamento definitivo

Após um longo processo que se iniciou com uma intervenção em 2004, a Casa de Saúde Doutor Eiras de Paracambi foi definitivamente fechada em uma sexta-feira, dia 23 de março de 2002, dois anos após a ordem da justiça para que as atividades fossem trancadas no hospital psiquiátrico pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).

Localizado há cerca de 90 Km do centro da capital do Rio de Janeiro, na cidade de Paracambi, o Hospital Dr. Eiras se tornou – como a maioria das unidades desta finalidade no século 20 -, como depósitos de gente, um “buraco negro” de pessoas em sofrimento mental. “Os pacientes internados e ali permaneciam pelo resto de suas vidas”, como conta a psicóloga Fabiana Castelo Valadares, que foi coordenadora da Unidade São Carlos II na Intervenção na Dra Eiras Paracambi.

No decorrer dos anos, o local passou a ser um verdadeiro depósito de “indesejados”, além de grande negócio. Se por um lado, as pessoas eram “esquecidas” atrás de suas paredes, pelo outro, quanto mais pacientes, mais lucrativo se tornava. O hospital tinha capacidade de receber cerca de 2.500 internos, mas já houve relatos de que até 3 mil pessoas ficaram ao mesmo tempo internadas na unidade. Não por acaso, nas décadas de 1970 até 2000, o hospital chegou a ser conhecido como o maior hospício privado conveniado a rede pública de saúde da América Latina.

O peso econômico do Dr. Eiras era tanto para a região que André Ceciliano, prefeito de Paracambi da entre 2001 e 2008, chegou a relatar em uma entrevista que quando assumiu a prefeitura, a folha de pagamento da cidade era fechada depois dos repasses do hospital.

Luta antimanicomial e fechamento

Já como ecos dos movimentos da reforma psiquiátrica iniciada no final da década de 70, e dos encontros dos Trabalhadores da Saúde Mental em Bauru e a I Conferência Nacional de Saúde Mental em Brasília, no final da década de 1980. Trabalhadores do Hospital de Paracambi construíram como primeiras denúncias de maus tratos e das péssimas condições que os pacientes se encontravam na instituição em 1991. internação hospitalar com controle do poder público de Paracambi.

Assim, já em 1992 se iniciou a reformulação do sistema de acesso da assistência à saúde mental com o intuito de minimizar as internações no município e se buscar uma melhor assistência aos pacientes psiquiátricos. Foi criado o polo de Saúde Mental com leitos psiquiátricos na cidade, de acolhimento de crise, adotou novos formatos de internações de curtíssima permanência e triagem dos pacientes que compareceram em quase 80% das internações psiquiátricas no município de Paracambi em seu primeiro ano de funcionamento, acolhendo assim também o número de internações no Dr Eiras.

Neste ano em diante, também a rede de Saúde Mental do Município foi ampliada com a construção dos CAPS II e do CAPS ad (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas), visando estratégias de atenção à população interna e externa ao hospital com tratamento humanizado e em liberdade, além de estabelecer a inserção do paciente na comunidade, no trabalho e família.

As ações adotadas na década de 1990 passaram a estabelecer uma regulação, mas as condições de cuidado na Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi não se transformaram, ainda se prevalecia os maus tratos e as condições desumanas de internações dos pacientes. Por conta disso, em 1999 a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados instalou um auditório no local cujo aproveitamento foi uma ação civil pública, pelo Ministério Público Federal, que culminou no processo de intervenção no hospital em 2004, quando lá estava ainda quase mil internos.

No início da década de 2000, as internações se tornaram proibidas por decreto da Secretaria Estadual de Saúde e após a reprovação pelo PNASH/Psiquiatria (Programa de Avaliação das Instituições Hospitalares), pois o Dr Eiras não forneceu os requisitos mínimos para a assistência psiquiátrica ea instituição foi descredenciada do Sistema Único de Saúde.

A partir de 2001, a prefeitura de Paracambi recebeu a sua primeira residência terapêutica, sendo algumas delas em forma de vila, como chamadas Casas de Passagem, instaladas na região próxima ao hospital.

“Quando assumimos a Prefeitura de Paracambi implantamos rede de proteção aos pacientes psiquiátricos, com abertura de Centros de Atenção Psicossocial, residências terapêuticas e enfermaria com leitos psiquiátricos” – conta André Ceciliano – “Na época, cada residência tinha a capacidade de abrigar até oito moradores que continuarão vivendo na cidade e mantendo seu tratamento na rede de saúde municipal”.

Em 2004, após a recusa dos proprietários do hospital em efetivar o ajustamento de conduta exigido pelo Ministério Público Federal – que visava a melhoria da assistência aos internos e a redução do grande número de óbitos -, houve uma ação conjunta dos três poderes no hospital. A intervenção no Dr. Eiras foi um decreto da prefeitura de Paracambi com articulação entre o governo federal, através do Ministério da Saúde; da secretaria estadual de assistência e da saúde, além dos setores de saúde e assistência municipal.

Desde então a prefeitura da cidade passou a gerenciar, em parceria com outros municípios do estado, o processo de desinstitucionalização do Hospital Dr Eiras. “Após denúncias e auditorias, fiz uma intervenção onde encontramos pacientes internados há mais de 30 anos, mesmo com alta. Muitos desnutridos, nus, desassistidos: um campo de concentração” – disse André Ceciliano – “O Dr. Eiras ainda tinha 945 pacientes em 2004. Nós participamos reintegrá-los ao convívio social e garantir que autonomia. Criamos alguns programas como o ‘Antena Virada’, na rádio comunitária local, e um bloco de Carnaval, Maluco Sonhador. Isso ajudou a desconstruir o estigma que os moradores tinham em relação a pessoas com transtornos mentais. Muitos pacientes com crises reincidentes ganharam de tê-las. posteriormente vários conseguiram ir morar sozinhos ou voltar para seus municípios de origem. Quando deixou a prefeitura, em 2008, o Dr. Eiras tinha menos de 100 internos” – relatou André Ceciliano. Cinco anos depois, em 2009, a justiça ordenou que todos os pacientes fossem transferidos para outras instituições e que a casa de saúde fosse fechada.

Como apenas 10 dos 200 internos foram transferidos em 2010, foi criado um grupo para fiscalizar o processo de fechamento do hospital, conduzido pelo então promotor de Paracambi Bruno Gangoni. “O Hospital Casa de Saúde Doutor Eiras já foi o maior hospital psiquiátrico da América Latina, porém, nos últimos anos, sofreu diferentes degenerativos, expondo os internos a condições subumanas de sobrevivência”, afirmou em nota Gangoni.

“Oferecer saúde pública de qualidade é obrigação de todo gestor, mas não é fácil. Quando se trata de saúde mental, é ainda mais complexo. Psiquiatria é comprometimento, ideologia. Não se pode apelar para a lógica empresarial, nem indicar para carga de gestão alguém que não esteja de acordo com o novo modelo de tratamento. Enquanto a psiquiatria atual aponta para inclusão, com internação como última opção, a escolha feita pelo ministro da Saúde remete a um modelo que os pacientes gostariam de esquecer. Apesar da Lei Federal 10.216, que determina o atendimento digno e sem preconceitos às pessoas que sofrem de transtornos mentais, ainda há muito o que seguir” – disse André Ceciliano em audiência da Frente Antimanicomial na Alerj – “Várias prefeituras do estado ainda não disponibilizam tratamento e nem medicamento adequado a esses pacientes.

Dr. Eiras Nunca Mais

No dia 13 de março de 2021, a ComCausa esteve no local que funcionava o Hospital Casa de Saúde Doutor Eiras e passou a promover uma série matérias sobre o lugar. A finalidade foi lembrar o fechamento do hospital e também debater os retrocessos nas políticas antimanicomiais.

“Foi um dos maiores crimes contra a população brasileira” – disse Adriano Dias da ComCausa, que idealizou a campanha Dr. princípios científicos”.

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Emanoelle Cavalcanti

Acadêmica de psicologia, voluntária na Ong Médicos do Mundo