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Memória: 101 anos de Darcy Ribeiro

No dia 26 de outubro de 1922, nasceu Darcy Ribeiro, uma figura notável que moldaria o cenário intelectual e político do Brasil. Com um pai farmacêutico, Reginaldo Ribeiro dos Santos, e uma mãe professora, Josefina Augusta da Silveira, sua trajetória de vida foi planejada para ser marcada por acontecimentos extraordinários.

Seus primeiros passos na educação foram dados em sua cidade natal. No entanto, após concluir o ensino médio, Darcy optou por trilhar um caminho que o levaria a se destacar em diversas áreas. Inicialmente, ele se matriculou na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, mas logo abandonou o curso médico, buscando um chamado mais profundo.

Foi em São Paulo que Darcy encontrou seu verdadeiro propósito. Ele se inscreveu na renomada Escola de Sociologia e Política, onde, em 1946, se formou no curso de Ciências Sociais, com uma especialização em antropologia.

Darcy Ribeiro não foi apenas um estudioso, mas um verdadeiro polímata, destacando-se como antropólogo, sociólogo, educador, escritor e político. Sua dedicação incansável o levou a lutar apaixonadamente por duas causas fundamentais: a defesa dos povos indígenas e a melhoria da educação no Brasil.

Seu legado é um testemunho inspirador de como uma única vida pode deixar uma marca indelével na sociedade. Darcy Ribeiro, um homem que iniciou sua jornada em Minas Gerais e cuja influência se manteve por todo o Brasil, permanece como um ícone da intelectualidade brasileira e um campeão das causas que abraçou.

Antropólogo e Educador

No ano de 1947, Darcy Ribeiro iniciou sua carreira como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Três anos mais tarde, em 1950, publicou a obra “Religião e Mitologia Cadiueu”, resultado de suas incursões de campo junto ao grupo indígena residente na região de fronteira entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai.

Em 1952, dirigiu a direção da seção de pesquisas do SPI, consolidando assim sua dedicação às questões indígenas. No ano seguinte, em 1953, empreendeu a criação do Museu do Índio, um marco relevante na preservação da cultura indígena no Brasil.

Darcy Ribeiro também alçou voos internacionais, apresentando, a pedido da UNESCO, um estudo que abordou o impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros ao longo do século XX. Além disso, contribuiu com a Organização Internacional do Trabalho na elaboração de um manual abordando os povos aborígenes de todo o mundo.

No âmbito nacional, Ribeiro teve um papel essencial na fundação do Parque Nacional Indígena do Xingu. Contudo, sua atuação transcendeu as fronteiras da antropologia, e, em 1955, com a eleição de Juscelino Kubitschek para a presidência do Brasil, ele foi convocado para colaborar na formulação das diretrizes legais do setor educacional. Nesse contexto, colaborou em estreita parceria com o educador Anísio Teixeira.

Essa colaboração marcou uma transição em sua carreira, que o contribuiu para o corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, situada no Rio de Janeiro. Ali, deixou seu legado ao instituir o primeiro curso de pós-graduação em Antropologia. Suas disciplinas abrangem temas como Etnologia Brasileira, Língua Tupi, além de Antropologia, ministrada na Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas.

A partir de 1957, Ribeiro assumiu a coordenação da Divisão de Estudos Sociais no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação. Posteriormente, em 1958, foi encarregado das pesquisas sociais no âmbito da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo.

Demonstrando seu comprometimento contínuo com os povos indígenas, Darcy Ribeiro ingressou em 1959 como membro do Conselho Nacional de Proteção ao Índio e, a partir daí, realizou extensas pesquisas de campo junto a grupos indígenas nos estados de Santa Catarina, Maranhão, Mato Grosso e Goiás .

Ao lado de Anísio Teixeira, Ribeiro também se envolveu na defesa da escola pública, contribuindo para a discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Sua influência na educação no Brasil culminou na coorganização da Universidade Nacional de Brasília (UNB), onde ele assumiu o cargo de reitor entre os anos de 1961 e 1962, deixando um impacto duradouro no cenário histórico e na promoção da cultura indígena.

Ditadura militar e exílio

Darcy Ribeiro, um fervoroso defensor da democratização do ensino público e da qualidade da educação para todos, desempenhou papéis notáveis ​​no cenário político brasileiro durante os anos de 1960. Em 1962, após sua passagem pela reitoria da Universidade Nacional de Brasília (UNB), ele substituiu o cargo de Ministro da Educação e Cultura durante o breve período de Regime Parlamentarista do governo do presidente João Goulart, que abrangeu os anos 1962-1963.

Entretanto, com a mudança de regime para o presidencialismo em janeiro de 1963, Darcy Ribeiro deixou o Ministério para ocupar o cargo de chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, demonstrando sua dedicação contínua à causa da educação e da cultura.

No entanto, a virada dos acontecimentos em 1964, com o golpe militar que destituiu o presidente Goulart, resultou na cassação dos direitos políticos de Darcy Ribeiro e o forçou a se exilar no exterior. Durante seu exílio, lecionou Antropologia na Universidade da República Oriental do Uruguai, situada em Montevidéu.

Em 1968, o Supremo Tribunal Federal anulou os processos movidos contra Darcy Ribeiro, permitindo seu retorno ao Brasil. No entanto, o cenário político estava altamente polarizado, e a promulgação do Ato Institucional n.º 5 marcou um período de intensa repressão. Darcy Ribeiro foi preso mais uma vez e acusado de violar a Lei de Segurança Nacional. Após ser julgado e liberado, optou por deixar o país mais uma vez, desta vez buscando refúgio na Venezuela.

Durante seu exílio, Darcy Ribeiro continuou sua prolífica produção intelectual, escrevendo obras importantes como “O Processo Civilizatório” (1968), “Universidade Necessária” (1969), “As Américas e as Civilizações” (1970), “O Índio e as Civilizações” ” (1970) e “Teoria do Brasil” (1972). Além de suas contribuições acadêmicas, atuou como assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru, evidenciando seu compromisso contínuo com a promoção da educação e a causa indígena, mesmo no exílio.

Como Político

Em 1976, Darcy Ribeiro fez um retorno notável ao Brasil, surpreendendo a crítica ao lançar seu romance “Maíra”. Em 1979, com a anistia política, ele foi reintegrado à Faculdade do Rio de Janeiro e, no mesmo ano, tornou-se membro do Partido Democrático Trabalhista (PDT), marcando seu envolvimento ativo na política nacional.

Em 1982, Darcy Ribeiro foi eleito vice-governador do estado do Rio de Janeiro na chapa liderada por Leonel Brizola. Sua posse ocorreu no ano seguinte, em 1983, quando também assumiu o cargo de secretário estadual da Cultura. Nessa capacidade, coordenou o Programa Especial de Educação e dinamizou uma inovação revolucionária, os Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), que proporcionaram educação em tempo integral, complementada por atividades recreativas e culturais.

A concepção do CIEP foi idealizada por Darcy Ribeiro, e cerca de 200 salas desses centros foram instaladas nas proximidades do sambódromo do Rio de Janeiro, famoso local projetado para os desfiles das escolas de samba durante o carnaval.

Em 1990, Darcy Ribeiro foi eleito senador pelo estado do Rio de Janeiro, também pelo PDT, no mesmo pleito que garantiu a reeleição de Leonel Brizola. Em 1991, ele se licenciou de seu cargo no Senado para assumir o cargo de Secretário Estadual de Projetos Especiais de Educação.

Em 1992, após seu retorno ao Senado, Darcy Ribeiro votou favoravelmente à abertura do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor. Posteriormente, ele se dedicou à elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, uma contribuição fundamental para a educação brasileira.

Darcy Ribeiro também desempenhou um papel crucial na criação e desenvolvimento do Memorial da América Latina, um centro cultural, político e de lazer de grande importância. Além disso, ele projetou a Universidade Estadual do Norte Fluminense, uma instituição voltada para a formação de cientistas, que foi inaugurada em 1994.

O ápice de sua contribuição à educação nacional foi alcançado quando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1996 e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Em homenagem a Darcy Ribeiro, a lei foi batizada de “Lei Darcy Ribeiro”. Durante esse período, ele manteve uma coluna semanal no jornal Folha de São Paulo, compartilhando suas ideias e visões com o público.

Sobre sua morte

Darcy Ribeiro pediu a extrema unção de Leonardo Boff, em uma das mais lindas visões de Deus.

Darcy – “Quero discutir com você o tema da morte, porque estou enfrentando a morte, meu grande último desafio.”

Em seguida faz Boff ler o prefácio do, então inédito, Confissões, livro no qual Darcy faz uma leitura da vida. E Boff leu o seguinte:

“Pena que a vida, tão carregada de lutas e fracassos, e vitórias, e vontade de trabalhar, seja marcada por uma profunda desesperança, porque nós voltamos, através da morte, ao pó cósmico, ao esquecimento e ficamos na memória que é curta e só de algumas pessoas, e voltamos à diluição cósmica.”

Então ao final da leitura Boff diz:

Boff – “Darcy, acho que é uma interpretação de quem vê de fora. É como você ver a borboleta, e ver o casulo. Você pode chorar pelo casulo que foi deixado para trás e ver que ele morreu. Mas você pode olhar a borboleta e dizer: “Não, ele libertou a borboleta, e ela é a esperança de vida que está dentro do casulo”.

Boff continua – “Darcy, deixa te dizer como imagino tua chegada, o teu grande encontro. Não vai ser com Deus Pai porque para você Deus tem de ser Mãe, tem de ser mulher…”

Darcy – “Então vai ser uma Deusa”

Boff – “Imagino assim: que Deus, quando você chegar lá em cima, vai te dizer com os braços abertos: “Darcy, como você custou para chegar, eu estava com uma saudade louca de você, finalmente você veio, você não queria vir, você teve de vir e agora chegou.” E te abraça, te afaga em seu seio, e te leva de abraço em abraço, de festa em festa”

Darcy – “De farra em farra…”

Boff – “Isso será pela eternidade afora”

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa