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O desafio de produzir Cultura

Após intensos meses de trabalho para a produção e realização do I Festival Nacional de Curtas Flávio Migliaccio — FESTFLÁVIO 2023, que ocorreu nos dias 26 e 27 de agosto de 2023, na Cinemateca do MAM Rio, cabe uma reflexão sobre a atividade de produtor cultural, área que não sonhei, não desejei, não fui apadrinhado, mas que naturalmente foi sendo incorporada na minha vida pela mãe de todas as atividades humanas, a necessidade.

Produzir Cultura é para poucos, afirmo com a maior tranquilidade e sem nenhuma vaidade. É atividade que requer muita coragem, grande disposição física e mental, paciência, capacidade de suportar intensas frustrações, algum talento para planejamento e execução, certa dose de loucura e muito amor, muito.

Produzir Cultura é difícil, complexo e arriscado em qualquer lugar do mundo, e no Brasil pode ser ainda mais desafiador. Hoje a produção cultural brasileira está muito atrelada e dependente do sistema de editais público e privados para obtenção de recursos. A Cultura continua passando o chapéu, e produtores e artistas vivem, ou melhor, sobrevivem sempre no fio da navalha.

Confesso que por vezes eu não sei como consigo produzir algum projeto cultural. Acho que conta muito a confiança que conquistei ao longo de 40 anos de atividade, que no início foi entremeada por outras atividades profissionais, como o jornalismo, que me possibilitavam a sobrevivência. Entendi logo que teria de me dedicar integralmente.

A Produção Cultural é atividade que requer 24 horas, não dá para você produzir Cultura e exercer outra atividade. Daí um dos seus maiores riscos, a imprevisibilidade da atividade. Um projeto pode dar muitos frutos, outros enormes prejuízos.

Todos nós que atuamos na Cultura, começamos de maneira amadora, seja como ator, atriz, diretor, diretora, autor, autora, etc.

Ainda me lembro do ano de 1983 quando eu fazia teatro na Baixada Fluminense e fizemos uma temporada no teatro do Sesc de São João de Meriti, quando o meu amigo, o dramaturgo e músico Arnaldo Luís Miranda dirigia aquela unidade teatral. Eu tinha 20 anos.

Era um tempo em que ainda tínhamos de ir à sede da Polícia Federal no Centro do Rio, para liberar o espetáculo. Foi ali que comecei a entrar em contato com a produção de verdade. Levantar um espetáculo teatral é tão complexo como levantar uma casa. Percebi que eu não seria apenas ator exercendo sua arte no palco, em busca de aplausos, mas teria de fazer muitas outras atividades juntamente com os colegas.

Além de ensaiarmos a peça, teríamos de trabalhar muito para o figurino, o cenário, a luz, o som, a promoção do espetáculo, a venda de ingressos, ida à Polícia, administração de egos, questões legais como contratos, controle financeiro, prestação de contas, análise de resultados, correção de rumos, etc. etc.

Uma verdadeira empresa diante do jovem ator que, até então, desconhecia o que estava por trás do espetáculo que eu via enquanto espectador sentado confortavelmente numa poltrona numerada.

O que está se apresentando no palco ou nas telas é apenas 10%, 90% é de suor, sangue, lágrimas, desespero, aborrecimentos, frustrações, dúvidas, dívidas, muitos nãos, muitas mãos, e também muita alegria.

Afinal, não é possível fazer nada nesta vida, sem alegria, mesmo que ela seja tão efêmera.

Não é por acaso que muitos desistem de atuar na Cultura ou na Arte, ou preferem ir exercendo outra carreira e paralelamente atuar. Poucos conseguem se firmar, pois realmente se exige muita coragem e sacerdócio. Muitas vezes pensei em desistir, viver apenas como jornalista, procurar outra atividade, mas não consigo. É na produção da Arte e da Cultura que me sinto vivo e útil às pessoas, à minha cidade e ao meu país.

Pode parecer bobagem, idealismo, mas ainda acredito que a vida não se resuma à família e aposentadoria. É necessário a criação de algo que dê frutos, que seja porta e caminho para outras pessoas na vida. Sinto enorme alegria ao ver meus projetos possibilitando a outras pessoas mostrarem seus trabalhos, talentos, sonhos, razão de existir. Talvez isso seja o que chamam de vocação.

Há tanto a se falar sobre o ato de produzir Cultura, é tema para um livro, talvez até dois, sem dúvida. A questão da formação, por exemplo, uma lacuna nas escolas de teatro, cinema, dança, e por aí vai.

O que posso dizer é que a essa atividade tem como base a credibilidade, os desonestos e sem ética não vão longe nela e na vida, acabarão naufragando em algum momento.

Produzir com dinheiro é mais fácil, mas produzir sem dinheiro e credibilidade é que são elas. Esse tem sido o meu capital enquanto produtor, o que possibilita parcerias importantes e cruciais como o que ocorreu no muito bem sucedido I Festival Nacional de Curtas Flávio Migliaccio — FESTFLÁVIO 2023.

Agradeço a cada um dos meus parceiros que acreditam em nosso trabalho. O FESTFLÁVIO jamais ocorreria sem a confiança da família de Flávio Migliaccio, da Cinemateca do MAM, do Instituto Proprietas, de Marcela Vigo Assessoria de Imprensa (que super recomendo), Natalie Hurtado, entre tantos outros apoiadores, parceiros e amigos.

Muito obrigado a todos e todas e até o próximo sonho!

Francis Ivanovich dirige a Frankfurt Produções e é o criador e diretor do Festival de Curtas Flávio Migliaccio entre outras produções.

Por: Francis Ivanovich.

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