Entrevistas

Entrevista com Bnegão

Bnegão é um dos rappers e compositores mais respeitados da cena alternativa. Além do excelente trabalho realizado como um dos vocais do Planet Hemp e Funk Fuckers, Bernardo, vivencia o sucesso de seu trabalho solo acompanhado pela extraordinária banda “Os Seletores de Freqüência”. Sua história de conquista e luta pela produção independente e seu comprometimento diante do microfone o fazem um dos mais importantes pensadores da nossa geração. Sua militância através da música é tão importante quanto suas inovações musicais. Nesta entrevista ele anuncia o novo e esperado CD com os Seletores e “joga a mensagem na garrafa”.

Você é muito importante neste retorno do nosso informativo, pois participou do Alternativo n° 0, em 1997. E, além do músico e compositor, você é um pensador extraordinário da nossa geração devido ao seu comprometimento com as palavras, com a arte e a cultura. Para você de que forma a arte está ligada à transformação do mundo? Você acredita no comprometimento da juventude de hoje?

  • Minha história com a música tem haver com isso, a maioria das minhas músicas é assim, algo como jogar a mensagem na garrafa. . . Eu tô nessa, mas sei que hoje em dia é como remar contra a maré, é anti-moda. Têm muitas pessoas que fizeram isso, se for pegar os vanguardistas, tipo Milton Santos. Também existem novos com novos modos de ver. . . tem, existe; mas não aparece. Quanto à juventude, hoje acredito que deve ser o mesmo que sempre foi. Mesmo na época do regime militar, que era uma situação crítica, obviamente mobilizava mais uma galera, mesmo assim não era a maioria. Se 30% da juventude fosse ligada, a situação não estava assim. Nunca é a maioria, quando for, o mundo muda.

Capa jornal ComCausa 2007 acervo Adriano Dias

Você acha que o hip hop hoje se configura como movimento social autônomo e participante no Brasil? E essa história que ele vai estourar a qualquer momento é real?

  • O Hip Hop existe de tudo quanto é jeito no Brasil todo. Passou muito tempo até ele chegar à mídia e isso possibilitou a formação dessas bases que são importantes. Pode ficar mais forte ou mais fraco, mas sempre vai existir. Essa parada de estourar não tem haver. Vê os Racionais que lançaram álbuns maravilhosos, foi bombástico desde o início, e foi crescendo até vender 1 milhão de copias com CD independente! E tem outras paradas como o Marcelo (D2), que apesar de ser bom MUSICALMENTE falando, só “estourou” graças à um jabá violento para tocar na rádio. Antigamente tinha jabá também, mas hoje SÓ tem isso. Não tem haver com estourar, tem a haver com GRANA. Tem nego que é inocente, a maioria esmagadora não sabe, não faz idéia que é um comércio deslavado que pagou, tocou. E vira uma desilusão violenta, quando a pessoa toma conhecimento da situação. . . Mas, eu acho a desilusão fundamental, é a melhor coisa que o mundo te dá. É o estalo para ver o que está acontecendo – é o começo de uma mudança REAL. A pior coisa é viver na ilusão, aí sim é triste.

O “Enxugando Gelo”, seu Cd junto com os Seletores foi considerado um dos melhores de 2003, ganhando inclusive o premio Dynamite (o maior prêmio da música independente no Brasil), como melhor disco de Rap/Black Music, lhe rendendo duas turnês pela Europa. Desde então você não lançou mais. Existe algum projeto para 2007?

  • Tem um projeto com o Turbo Trio, que é uma banda eletrônica com uma rapaziada de São Paulo e Rio Grande do Sul. Vamos lançar o CD em março simultaneamente no Brasil e Japão. E estamos estudando propostas para Europa e a Babilônia, digo, Estados Unidos. E em maio vai sair o novo CD com os “Seletores de Freqüência”. Até o final do ano talvez tenha um projeto com o DJ Castro e outro com uma galera de música instrumental brasileira que sempre tive vontade de fazer – tipo o Paulo Moura, o JT Meireles. . . Toquei em novembro passado na Sala Cecília Meireles, num show que tinha Robertinho Silva, Egberto Gismonti, Jards Macalé, Wagner Tiso e o próprio Paulo Moura. . . quero um dia gravar algo com essa galera.

Suas passagens pela Baixada Fluminense sempre foram marcantes, o que você conhece daqui? E do público que você encontra?

  • Minha família por parte de mãe é toda de Nova Iguaçu, São João e Mesquita. Daí sempre fui muito à Baixada quando era pequeno e sempre tive carinho pela região. Já fiz várias apresentações… sempre foi louco. Eu gosto pra caramba da galera, tem uma pressão clássica. . . Até a última que fizemos lá (no projeto da ComCausa: “Música Rap”, no Espaço Cultural Sylvio Monteiro em Nova Iguaçu) lembro que a galera chegou junto, recorde de público da casa. É a pressão da vida, a galera não está em meio a milhões de opções e dá muito valor. E quando o público chega junto o show cresce imensamente.

E o que você acha que deve ser feito no movimento cultural para que este público tenha opções e oportunidades de desenvolvimento?

  • Tem que fazer, botar a mão na massa, não dá pra ficar de papo. De um lado tem que desburocratizar e acabar com essa história clássica de “não faz e não deixa fazer”. Em espaço público tudo e todos devem estar representados. Tem que ter uma visão geral, da música à ARTE. Faz bem para o espírito, torna as pessoas melhores, não pode ser vetado pela eventual pouca visão de quem administra o espaço. No nosso lado, temos que nos informar sobre as leis de incentivo, são chatas, mas fundamentais para poder conversar de igual para igual, para podermos realizar coisas.

Você é uma figura muito querida em diversos segmentos culturais, seu coração é hip hop ou rock and roll?

  • Me emociono com música, meu coração é música e está dentro de vários estilos inclusive o rock e o Hip Hop. Desde a época em que eu ouvia muito punk nos anos 80, quando me identificava com as letras – parada ideológica mesmo – e com a música, mas gostava de jazz também. Minha parada é com a música, é para isso que eu tô no planeta.

Qual é sua causa?

  • A melhoria do ser humano da menor à maior instância, sabendo das limitações, sem ilusão e com pé no chão, sempre contribuindo com uma coisa positiva, porque de negativo o mundo já está cheio. Energia positiva, construtiva e criativa, no sentido de criar possibilidades novas para encarar a vida dia após dia.

Você sempre somou e foi presente nas iniciativas que visam criar oportunidades de movimento e reflexão. . .

Eu sei e reconheço o efeito que esse tipo de iniciativa teve e tem na minha vida, na minha formação, quando eu queria algo além do que rolava nas mídias ditas “normais”. O que eu faço é apenas tentar proporcionar aos outros as mesmas oportunidades que eu tive. E com isso gerar um lugar, um bairro, ou uma cidade melhor, para começar. . .

– Matéria de janeiro de 2007

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa

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