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Especialistas respondem controvérsias sobre a Lei da Alienação Parental

Em meio a controvérsias, debates polarizados e tentativas de revogação, a Lei da Alienação Parental (12.318/2010) completou treze anos nessa semana. Em atenção ao aniversário da norma, em 26 de agosto, a advogada Renata Nepomuceno e Cysne, coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, responde aos principais argumentos de quem busca a revogação da Lei e desmembra as ramificações do tema no Direito das Famílias.

A lei considera como ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Confira, a seguir, a entrevista exclusiva da especialista:

Uma grande controvérsia sobre o tema da alienação parental é que o termo foi cunhado na década de 1980 pelo psicanalista estadunidense Richard Gardner, sem respaldo da ciência ou mesmo da psicologia. Além disso, autor e obra também são criticados por “prestar serviço em defesa do abuso sexual de crianças”. Como a senhora responde a essa questão?

Os estudos sobre as consequências do divórcio hostil para crianças e adolescentes iniciaram-se de forma quase concomitante com a possibilidade do divórcio em diversos países, isto é, entre as décadas de 1950 a 1970. A percepção dos profissionais da alteração de comportamento das crianças e adolescentes, envolvidos em cenários de conflito, gerou uma série de estudos e investigações da temática.

Sobre a temática da alienação parental, provavelmente Richard Gardner é o autor estrangeiro mais conhecido no Brasil. E o conceito “alienação parental” passou a ser difundido no Brasil a partir das obras dele. Isto se deu pela necessidade de nomear uma disfuncionalidade recorrente nas dissoluções conjugais litigiosas e que precisavam de uma intervenção para a proteção de crianças e adolescentes.

A barreira da língua e a insuficiência de tradução de outras obras fez com que o conceito de “alienação parental” fosse vinculado fortemente à figura controversa de Richard Gardner. De fato, Richard Gardner criou a teoria da “Síndrome da Alienação Parental”, segundo ele, crianças e adolescentes desenvolviam um conjunto de sintomas psicológicos, quando sujeitos à programação e manipulação no cenário de divórcio hostil.

A “Síndrome de Alienação Parental” não foi reconhecida pelos órgãos de Saúde Mental, assim como não possui inscrição na Classificação Internacional de Doenças – CID. Nesse ponto, é importante observarmos que muitas doenças levam anos até o reconhecimento pela OMS, a exemplo da depressão.

No entanto, o comportamento de interferência psicológica, os danos causados pelo envolvimento/utilização dos filhos no conflito e a disputa por guarda no divórcio hostil vêm sendo alvo de estudo e enfrentamento há muitos anos.

Segundo levantamento feito pela Professora Bruna Barbieri, membro do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM, diversos outros estudiosos trataram do fenômeno da “Alienação Parental”, sob outra nomenclatura, e cita a título de exemplo:

– Lealdades Invisíveis (Boszormenyi-Nagy, 1973); Recusa de Visitas (Wallerstein, 1976); Alinhamento Patológico (Wallerstein e Kelly, 1976); Forte Aliança (Janet Johnston, Linda Campbell e Sharon Mayes, 1985), entre outros.

No entanto, é importante ressaltar que a Lei de Alienação Parental não trata da Síndrome da Alienação Parental, mas apresenta atos que, quando praticados em conjunto e/ou de forma reiterada, merecem a intervenção do Estado para a proteção de crianças e adolescentes. Isto é, segundo a normativa não é necessário que haja o dano à criança e ao adolescente, muito menos o adoecimento destes, para que o Estado interfira na proteção, basta que se tenha indícios do comportamento prejudicial à criança e ao adolescente que as ferramentas de proteção sejam aplicadas.

Portanto, a Lei de Alienação Parental em muito se afasta do conceito da Síndrome de Alienação Parental, pois sequer há necessidade da configuração de qualquer dano à criança e ao adolescente, para que haja a sua proteção, o que vai ao encontro do Princípio da Intervenção Precoce presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é a resposta legislativa à necessidade social de proteção de crianças e adolescentes em cenários de conflitos familiares específicos.

Fale-nos sobre a importância da Lei da Alienação Parental (12.318/2010).

É uma realidade que crianças e adolescentes têm sido utilizados como objeto em processos conflituosos de dissolução familiar e que esse envolvimento os coloca em situação de risco, o que atrai a necessidade de atuação do Judiciário. A Lei de Alienação Parental, além de nomear esse comportamento, fornece ferramentas de intervenção para a proteção de crianças e adolescentes.

A exemplificação de atos de alienação parental, contida no artigo 2º da referida Lei, tem efeitos pedagógicos na sociedade e joga luz sobre comportamentos que não são aceitáveis, o que acompanha o movimento social de reconfiguração do exercício da parentalidade e dos papéis de gênero.

Em seu artigo 4º, a Lei prevê a tramitação prioritária e dispõe sobre a atuação interdisciplinar, artigos 5º e 8º-A, o que constitui avanço para a efetivação dos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. O artigo 6º norteia a intervenção judiciária, a fim de assegurar o direito à convivência familiar e a igualdade no exercício do poder familiar.

Portanto, a Lei da Alienação Parental integra o sistema legal de proteção a vulneráveis, reconhecidos constitucionalmente, e é um instrumento para assegurar o equilíbrio das relações entre os pais e mães que não convivem entre si, no melhor interesse afetivo dos filhos e da absoluta necessidade da manutenção dos vínculos de convivência saudável para o bom desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes.

Por que a Lei precisa de manutenção e não revogação?

Importante observarmos que, em 18 de maio de 2022, há pouco mais de um ano, foi publicada a Lei 14.340/2002, que alterou a Lei da Alienação Parental (12.318/2010), e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990). A norma aprovada passou por amplo debate público, envolveu diversos atores sociais e políticos que puderam se expressar, opinar e construíram uma norma que aprimora e reforça o sistema legal protetivo das pessoas, crianças e adolescentes.

Após o advento da referida Lei, Tribunais começaram a capacitar suas equipes de atendimento multidisciplinar, assim como o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da Portaria 359/2002, assinada pela presidente do Supremo Tribunal Federal – STF e do CNJ, Ministra Rosa Weber, instituiu um grupo de trabalho para debater e propor protocolo para a escuta especializada e depoimento especial de crianças e adolescentes nas ações de família em que se discuta alienação parental.

A título de exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR, com fundamento na Lei 14.340/2022, inaugurou espaço de convivência de laços e afetos, que proporciona local adequado para a convivência familiar assistida, em casos nos quais é necessária uma atuação mais próxima do Judiciário.

A Lei 14.340/2022 é resultado de diversos projetos que tratavam sobre a Lei de Alienação Parental e trouxe mudanças que ainda estão em fase de implementação. Revogar as normas referentes à temática da Alienação Parental significa enfraquecer a rede de proteção infantil, da qual a Lei de Alienação Parental é um elo importante na proteção às crianças e adolescentes, atualmente vigente, tornando-a deficiente, o que é verdadeiro retrocesso social.

O mandamento constitucional, alvo a ser perseguido, é a proteção integral, qualquer mudança que possa acarretar redução de proteção precisa ser avaliada e amplamente debatida com a sociedade.

É primordial identificar as omissões que a eventual revogação da Lei deixará. A análise aprofundada sobre a questão pelos cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis, que deve ocorrer sobretudo sob a ótica do melhor interesse de crianças e adolescentes, mostra-se urgente.

Tendo se dedicado ao estudo da Lei de Alienação Parental – LAP por tanto tempo, qual é a sua análise das alegações de que essa norma está sendo usada por agressores como forma de vingança contra mulheres e/ou para perpetuar a violência sexual contra crianças e adolescentes?

No Anuário da Segurança Pública, desse ano, foi identificado o maior número de estupros da história. Foram 74.930 vítimas. Sendo 56.820 estupros de pessoas vulneráveis. Os estupros aconteceram em sua maioria na residência das vítimas, com mais de 50.000 pessoas sendo violentadas sexualmente em sua própria casa.

As vítimas, em sua maioria, são mulheres e possuem de 0 a 13 anos de idade, sendo mais de 10% delas crianças com menos de 4 anos de idade. Na grande maioria dos casos de estupros cometidos contra as crianças, o agressor é conhecido da vítima, e em 64,4% das vezes é alguém da família.

Os dados revelam a violência sexual em uma escala crescente e, ainda sim, acredita-se que a realidade seja muito pior do que a refletida nos números, isso porque os dados são subnotificados e, muitas vezes, a violência passa despercebida pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Há um grande número de crianças e adolescentes sendo violentadas dentro de suas casas por familiares. O Anuário nos mostra também o crescente número de violência doméstica praticada contra mulheres e crianças e adolescentes e do aumento do feminicídio.

Então, resta óbvio a ineficiência das políticas de enfrentamento à violência intrafamiliar, assim como que o conjunto normativo tem sido insuficiente para gerar a necessária proteção.

No entanto, atribuir a causa da violência intrafamiliar à Lei de Alienação Parental é deixar de fazer a análise e o enfrentamento das questões que envolvem esse cenário assombroso de violência doméstica e sexual no Brasil. Manter a discussão dessa questão sob a lupa da Lei de Alienação Parental é permanecer envolto por uma cortina de fumaça, sem focar nas pautas centrais e de maior impacto do combate à violência intrafamiliar.

Por exemplo, é possível identificar a falta de comunicação efetiva entre a rede de proteção e no próprio Judiciário, entre as varas de violência doméstica, família e infância e juventude. Também é possível identificar a revitimização que ocorre em diversos momentos de perícia, estudo psicossocial e depoimentos quando há processos nessas varas que tramitam concomitantemente. Falhas essas que são passíveis de correção e que, uma vez corrigidas, gerariam maior proteção às vítimas.

Quando se trata de um cenário em que há alegação de violência doméstica – física, psíquica, patrimonial e/ou sexual – praticada contra a mulher e contra os filhos, e há, também, de forma paralela, a alegação de alienação parental – violência psíquica – praticada contra os filhos, ambas alegações devem ser investigadas, pois do contrário estaríamos hierarquizando as violências.

Ressalto ainda que, na minha opinião, a violência dirigida à mãe é violência praticada também contra o filho e, nesses casos, não há que se falar em alienação parental.

A senhora teve acesso à reportagem publicada pelo Intercept neste ano que reuniu algumas dessas denúncias? Qual a sua opinião sobre as questões abordadas na matéria?

Eventuais deficiências e a má aplicação da Lei de Alienação Parental devem ser identificadas e corrigidas com o concurso permanente e crítico de todos os interessados e estudiosos, a partir da apuração de dados, para que os fins sociais da norma legal sejam devidamente alcançados.

Preocupa-me que processos que tramitam em segredo de justiça sejam compartilhados na mídia, com a exposição de casos concretos e de crianças e adolescentes, que terão a sua história exposta.

As reportagens publicadas apontam diretamente profissionais e é importante a consciência de que o tribunal midiático não comporta contraditório e ampla defesa e tem sido cruel em diversos casos, muitas vezes com consequências irreversíveis aos indivíduos. Temos que ter senso crítico e não tomar como verdadeiros casos que são apontados pela mídia e que ainda não sofreram o crivo do Judiciário.

Qual seria a solução para a controvérsia?

Inicialmente, precisamos obter dados, números concretos para compreendermos de que forma a Lei vem sendo aplicada, as lacunas que precisam ser preenchidas e os artigos que precisam ser revistos.

Há também a questão da implementação da Lei de 14.340/2022. Como dito, há um Grupo de Trabalho no CNJ comprometido com o aprimoramento da escuta de crianças e adolescentes nos processos de família, o que tende a trazer avanços. Os espaços de convivência assistida também estão em fase de implementação, a exemplo do que foi realizado no TJPR.

No âmbito do Executivo e do Legislativo, mostra-se essencial a realização de audiências públicas, que são um importante espaço de consolidação da cidadania, com a participação de cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis para análise e propostas de políticas públicas e projetos de lei.

Acima de tudo, a discussão deve ser pautada com foco na criança e no adolescente.

O que aconteceria se a LAP fosse revogada hoje?

Teríamos uma lacuna considerável com relação à efetivação da convivência familiar, um retrocesso com relação à proteção de crianças e adolescentes. O olhar interdisciplinar, que tem sido importante nos casos de família, seria enfraquecido.

Outras normas também seriam comprometidas, pois se relacionam diretamente com a Lei de Alienação Parental. Enfim, uma série de consequências que precisam ser melhor compreendidas e debatidas por diversos agentes do sistema de proteção.

Recentemente, o IBDFAM enviou ao CNJ pedido de providências que solicita a coleta de dados sobre processos envolvendo o tema da Alienação Parental e seus resultados em Varas das cinco regiões do Brasil. Qual é o objetivo desse pedido?

Diante da insuficiência de dados confiáveis que pautem o debate sobre os desdobramentos da Lei de Alienação Parental no Judiciário, apresentamos ao CNJ um Pedido de Providências para a realização de pesquisa. Apresentamos 29 quesitos para nortear a coleta de informações junto aos Tribunais de Justiça das cinco regiões do Brasil.

O pedido de providências ainda está em análise. O Setor de Pesquisa do CNJ sinalizou de forma negativa, mas ainda está pendente de apreciação pelo Ministro Luis Felipe Salomão.

Se há um debate sobre a possibilidade de alterar um elo da proteção integral de crianças e adolescentes, é preciso fazer isso com base em dados, e não em experiências pessoais. A partir da obtenção de dados podemos traçar estratégias de atuação, sempre com o objetivo de gerar maior proteção às crianças e adolescentes.

Em 2022, a Organização das Nações Unidas – ONU direcionou um comunicado ao Brasil para que o país proíba de forma expressa o uso da Síndrome de Alienação Parental em processos judiciais. Qual a opinião da senhora sobre esta solicitação e quais são seus desdobramentos no meio jurídico?

O relatório apresentado pelo Conselho de Direitos Humanos não foi submetido à votação na Assembleia Geral da ONU em 13 de julho, na 53º Assembleia Geral, ou seja, ainda está pendente de análise mais apurada.

Por sua vez, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconhece a Alienação Parental.

Há projetos de lei nas Casas Legislativas que merecem atenção especial? Quais merecem aprovação e quais devem ser barrados?

A Lei de Alienação Parental foi, recentemente, amplamente debatida nas Casas Legislativas, aproximadamente 15 projetos de lei foram reunidos para análise e resultaram na Lei 14.340/2022. Retornar a esse debate pouco mais de um ano da aprovação da Lei, sem que tenha dado tempo suficiente para a implementação das alterações e com encaminhamentos concretos ocorrendo, é uma atitude precipitada.

No entanto, acredito que o debate sempre seja um caminho de amadurecimento e uma possibilidade de aprimoramento.

A advogada Renata Nepomuceno e Cysne é coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa