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Faleceu Nêgo Bispo a voz da resistência e conhecimento Quilombola

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq) oficializou o falecimento, no domingo dia 03 de dezembro de 2023, do renomado escritor e ativista Antônio Bispo dos Santos, extremamente reconhecido como Nêgo Bispo. Sua partida representa a perda de uma das figuras mais destacadas na batalha pela causa quilombola no Brasil.

Nascido em 1959, no Povoado Papagaio, Vale do Rio Berlengas, hoje parte do município de Francinópolis, Piauí, Antônio Bispo dos Santos é uma figura multifacetada. Sua vida é um mosaico de identidades: lavrador, poeta, escritor, professor e ativista político. Reconhecido como uma das principais vozes das comunidades tradicionais do Brasil, ele é mais conhecido pelo apelido carinhoso de Nêgo Bispo.

Nêgo Bispo pertence ao Quilombo Saco-Curtume, situado em São João do Piauí, e sua jornada educacional é marcada pela tradição quilombola. Recebeu sua formação por meio da transmissão oral de conhecimentos ancestrais, uma herança valiosa dos mestres e mestras de ofícios da comunidade. Posteriormente, ingressou na educação formal, tornando-se o primeiro de sua família a concluir o ensino fundamental. Desde a juventude, demonstrou talento em expressar os sentimentos e sabedorias de seus conterrâneos por meio da escrita, traduzindo suas experiências em cartas emocionais.

Em 2007, lançou seu livro inaugural “Quilombos, modos e significados”, posteriormente relançado em 2015 com o título “Colonização, quilombos. Modos e significados”. Nesta obra, Nêgo Bispo modificou o conceito de contracolonização, desafiando o modelo econômico predominantemente no Brasil e em outros países latino-americanos. Em oposição a um projeto de sociedade autodestrutiva, ele propôs uma nova abordagem baseada na biointeração, uma relação harmoniosa entre humanos e natureza. Esse conceito fundamenta-se na ideia de extrair, utilizar e reeditar recursos de forma coletiva e comunitária, contrastando com a proposta de reciclagem pelo desenvolvimento sustentável.

Sua obra repercutiu amplamente, sendo incluída nos programas de graduação e pós-graduação de diversas universidades brasileiras. Ela não apenas aborda aspectos cruciais da formação sociocultural do Brasil, mas também transpõe os ensinamentos quilombolas para o âmbito acadêmico, reinterpretando conceitos consagrados sob a ótica do pensamento quilombola.

Graças ao seu engajamento na luta pela terra, destacou-se como líder do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Francinópolis e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Piauí. Além disso, desempenha papéis importantes na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (Cecoq/PI) e na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Sua relação com o meio acadêmico ganhou forma com o projeto “Encontro de Saberes” na Universidade de Brasília (UnB), onde atuou como professor na disciplina “Confluências Quilombolas Contracolonização” no início de 2017.

Mais do que um intelectual, Nêgo Bispo se identifica como um relator de pensamentos e saberes. Ele critica a comercialização do conhecimento e defende a confluência cosmológica e a partilha de saberes. A confluência, um conceito por ele criado, refere-se à lei que rege a convivência entre elementos da natureza, enquanto a transfluência trata das relações de transformação desses elementos.

A trajetória de Antônio dos Santos Bispo é marcada por diálogos sobre resistência negra e quilombola, oferecendo alternativas de convivência saudável com a natureza, pautadas na sabedoria dos povos tradicionais. Ele se consolida como uma voz proeminente na defesa dos direitos dos quilombolas e na preservação da terra, uma figura ativa, poética e poderosa.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa