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Hebe de Bonafini fundadora e símbolo do movimento das Mães da Praça de Maio

Faleceu no domingo do dia 20 de novembro de 2022, Hebe de Bonafini, histórica militante dos direitos humanos fundadora e símbolo do movimento das Mães da Praça de Maio formado na década de 1970 para cobrar informações a sanguinária ditadura militar que governou o país entre 1976 e 1983 e deixou 30 mil mortos, sobre os filhos sequestrados, torturados e desaparecidos.

Hebe de Bonafini já havia sido internada duas vezes em um hospital em La Plata com sérios problemas de saúde.

Alberto Fernández, então presidente argentino, decretou luto oficial de três dias em “homenagem a Hebe, sua memória e sua luta, que estarão sempre presentes como guia nos momentos difíceis”. Em uma rede social, o presidente disse que Hebe “enfrenou os genocidas quando o sentido comum coletivo ia em outra direção. Com enorme carinho e sincero pesar, me despeço dela. Até sempre”.

Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente eleito do Brasil, lamentou em uma rede social a mortre de Hebe e disse que ela ajudou a criar um dos mais importantes movimentos democráticos da América Latina. “Sua luta e perseverança seguem sendo exemplo para os que acreditam em um mundo mais democrático.”

Movimento das Mães da Praça de Maio

Em meio à ditadura militar argentina de 1976 a 1983, um movimento de direitos humanos ganhou destaque. As Mães da Praça de Maio, mulheres que buscavam seus filhos detidos e desaparecidos, cujo paradeiro era negado pelos militares, começaram a se manifestar. Elas procuraram incessantemente por informações sobre seus filhos, recorrendo ao Ministério do Interior, quartéis, postos policiais e até mesmo à Junta Militar, mas nunca receberam qualquer resposta, nem mesmo da Igreja Católica.

Inicialmente, essas mães agiam de forma individual, frequentemente se encontrando nas portas de ministérios e quartéis. A ideia de formar um grupo veio de Azucena Villaflor de Devicenti, considerada a fundadora do movimento. Em 30 de abril de 1977, catorze mães se reuniram na Praça, dando origem ao grupo. Elas decidiram se encontrar todas as quintas-feiras à tarde na Praça de Maio, um local muito movimentado naquela hora. No entanto, devido ao estado de sítio vigente, que proibia grupos de três ou mais pessoas, elas foram obrigadas a circular pela praça.

A Praça de Maio foi escolhida como local de protesto por seu significado histórico como local de manifestação do povo argentino. No entanto, com as Mães, a praça adquiriu um novo sentido, tornando-se um lugar de memória e identidade para os argentinos. As palavras de ordem “aparecimento com vida” e “julgamento e punição aos culpados” ainda ressoam na praça, marcada pelas figuras brancas desenhadas nos ladrilhos, representando as pessoas desaparecidas.

As Mães da Praça de Maio são facilmente identificáveis pelos lenços brancos que usam na cabeça, simbolizando as fraldas de pano de seus filhos desaparecidos. Em setembro de 1979, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA) visitou a Argentina, as Mães puderam formalmente apresentar denúncias sobre o desaparecimento de seus filhos. Essas denúncias revelaram ao mundo os crimes contra a humanidade cometidos pelo governo militar.

Após nove anos de luta ininterrupta, o grupo enfrentou um novo desafio em 1986, quando se dividiu em duas linhas: as Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora, liderada por Nora Cortiñas, e a Associação Mães da Praça de Maio, liderada por Hebe de Bonafini. Além das Mães, em 22 de outubro de 1977, surgiram as Avós da Praça de Maio, que também são mães de desaparecidos, mas cujas filhas ou noras foram sequestradas ainda grávidas. Elas buscam seus netos, nascidos em centros clandestinos de detenção e entregues a famílias de repressores.

Um banco de dados genético, criado para auxiliar na localização de filhos separados de seus pais durante a ditadura, tem sido uma ferramenta crucial na busca por justiça. Em 2014, Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, conseguiu “recuperar” seu neto Guido, que estava desaparecido há 36 anos. Estima-se que cerca de 400 filhos de presos políticos desaparecidos foram adotados durante a ditadura, com as famílias adotivas cientes das circunstâncias revoltantes dessas adoções. Mesmo em tempos de democracia, essas famílias mantiveram o segredo. Até dezembro de 2014, 116 desses filhos haviam sido recuperados.

Quatro décadas após o início do movimento das Mães de Maio, anúncios ainda são veiculados em rádios, televisões e no jornal Página 12, incentivando aqueles que têm dúvidas sobre sua identidade a procurar a organização e realizar um teste de DNA.

Em 1995, surgiu a agrupação HIJOS (Hijos por la Identidad y la Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio), formada por filhos de desaparecidos, exilados, presos políticos e assassinados pela última ditadura militar. Com filiais em vários países, incluindo Uruguai, Venezuela, México, França, Suíça e Noruega, o grupo se dedica a defender os direitos humanos e manter viva a memória dos crimes contra a humanidade cometidos na Argentina entre 1976 e 1983.

A marca distintiva do grupo é o “escracho”, uma ação que consiste em localizar um ex-repressor, divulgar publicamente sua localização e realizar um protesto em frente à sua casa ou local de trabalho. Durante esses protestos, os filhos jogam tinta vermelha ou preta nas paredes para “marcá-las”. Na Marcha da Resistência de 2002, as Mães da Praça de Maio entregaram simbolicamente seus lenços brancos aos HIJOS, como um sinal de continuidade na luta para manter viva a memória dos desaparecidos.

Na Argentina, outros importantes organismos de direitos humanos incluem a Liga Argentina de Direitos Humanos (fundada em 1937); o Serviço Paz e Justiça (de 1974), dirigido pelo Prêmio Nobel da Paz argentino, Adolfo Pérez Esquivel; a Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos (1975); os Familiares de Detidos e Desaparecidos por Razões Políticas (1976); o Movimento Ecumênico pelos Direitos Humanos (1976); o Centro de Estudos Legais e Sociais (1979), e a Coordenação contra a Repressão Policial e Institucional (1992).

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa