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Memória: Martírio de Santo Dias

Santo Dias da Silva, nascido em Terra Roxa no ano de 1942, foi um operário metalúrgico brasileiro que se destacou como um incansável defensor dos direitos dos trabalhadores e um fervoroso membro da Pastoral Operária. Sua vida foi brutalmente interrompida em 30 de outubro de 1979, quando, enquanto liderava um piquete de greve, foi morto pela Polícia Militar, marcando uma triste página na história do movimento sindical e dos direitos humanos no Brasil.

As Origens Humildes e a Mudança para a Cidade

Santo Dias era filho de Jesus Dias da Silva e Laura Amâncio Vieira, sendo o mais novo de oito irmãos. Sua família trabalhou como meeiros em diversas fazendas na região de Terra Roxa por quatro décadas. No entanto, em busca de melhores oportunidades de vida, Santo resolveu deixar a zona rural e se mudou para Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo, uma área conhecida por sua concentração industrial. Ali, ele trabalhou como ajudante geral na Metal Leve, uma empresa de componentes metalúrgicos.

O Movimento Operário e a Influência da Igreja Católica

Na década de 1960, o movimento operário no Brasil lutava por melhores condições de trabalho e trabalho mais justo. Santo Dias se uniu a esse movimento e, em 1965, iniciou sua participação na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP). Em 1967, a OSM lançou a Chapa Verde nas eleições sindicais, liderada pelo militante cristão Waldemar Rossi e reforçada pela Frente Nacional dos Trabalhadores, uma organização parassindical ligada à Igreja Católica que precedeu a Pastoral Operária.

Nesse mesmo período, a Igreja Católica começou a discutir os ensinamentos do Papa João XXIII e a formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que abraçavam a Teologia da Libertação. Santo Dias não se limitou ao movimento operário, tornando-se também um líder comunitário no bairro da Vila Remo, onde morava com sua família. Ele atuou ativamente nas CEBs e nos movimentos de bairro, lutando por questões como transporte, educação e melhorias nas condições de vida dos trabalhadores.

Os Anos de Repressão e Luta

Com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em dezembro de 1968, a repressão política no Brasil se intensificou. O movimento operário passou a enfrentar desafios cada vez maiores, com muitas prisões e “desaparecimentos”. A direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo foi considerada conservadora, e os trabalhadores tiveram que buscar alternativas nas lutas nos bairros e na formação de comissões de fábrica. A OSM desempenhou um papel fundamental na organização dessas lutas.

O Avanço dos Anos 1970 e a Trágica Morte

Nos anos 1970, o Brasil viveu um período de “distensão política lenta, gradual e segura”. No entanto, a repressão contínua, e figuras notáveis ​​como o jornalista Vladimir Herzog e o metalúrgico Manoel Fiel Filho perderam suas vidas em circunstâncias suspeitas.

Em maio de 1978, os metalúrgicos da Scania-Vabis e da Toshiba fizeram greves em busca de melhores mudanças. Nesse contexto, Santo Dias e Anísio Batista, outra liderança reconhecida por seu trabalho de base nas fábricas, lideraram uma chapa de oposição nas eleições sindicais de 1978. Apesar da derrota, a OSM denunciou fraudes eleitorais grosseiras.

Em agosto de 1979, o governo brasileiro concedeu a Lei de Anistia, estendendo-a aos torturadores e membros do aparelho repressivo. Nesse momento, o OSM iniciou a sua luta pela mudança na estrutura sindical, buscando maior independência do Estado e organização a partir das comissões de fábrica. Santo Dias participou desse processo.

Em outubro de 1979, os metalúrgicos lançaram uma campanha salarial exigindo um aumento de 83% nos salários. No entanto, a reclamação não foi atendida, e uma greve começou em 28 de outubro.

Naquele primeiro dia de paralisação, os subsedes do sindicato foram invadidos pela Polícia Militar, resultando na prisão de mais de 130 pessoas. Com a ausência de apoio sindical e a intensificação da repressão, os metalúrgicos se reuniram na Capela do Socorro, na Zona Sul de São Paulo.

Em 30 de outubro, Santo Dias saiu da Capela do Socorro como parte do comando de greve para liderar um piquete na frente da fábrica Sylvânia. Durante o confronto com a polícia, Santo Dias tentou dialogar com os policiais, mas a situação se tornou violenta, e o policial Herculano Leonel atirou nele. Santo Dias foi levado ao Pronto Socorro de Santo Amaro, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu.

A morte de Santo Dias chocou o país, e no dia 31 de outubro, cerca de 30 mil pessoas marcharam pelas ruas de São Paulo para acompanhar seu enterro e protestar contra a repressão, clamando pelo direito à associação sindical, à greve e contra a ditadura militar.

Após um complexo processo legal, o policial Herculano Leonel, autor do disparo que matou Santo Dias, foi condenado a seis anos de prisão em abril de 1982. No entanto, essa reportagem foi posteriormente revertida, e o caso foi encerrado, deixando uma lacuna de justiça na história de Santo Dias, que dedicou sua vida à defesa dos direitos dos trabalhadores e à luta por um Brasil mais justo e igualitário.

Acesse: Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa