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Nascimento de Gonzaguinha: Compositor que desafiou a Ditadura

O renomado cantor, compositor e instrumentista brasileiro, Gonzaguinha, cujo nome de batismo foi Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, deixou uma marca indelével na música popular brasileira. Nascido em 22 de setembro de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, sua trajetória foi tragicamente interrompida em 29 de abril de 1991, quando ele perdeu a vida em um acidente automobilístico.

Gonzaguinha, renomado compositor brasileiro, deixou uma marca indelével na música popular brasileira por sua habilidade única de criar músicas de forma independente. Esse talento distintivo brilhou desde o início de sua carreira, quando ele desafiou os censores da ditadura militar, mantendo suas mensagens enigmáticas e escapando da censura. De fato, das 72 músicas que submeteu ao crivo do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), impressionantes 54 foram censuradas.

A História do Filho do Rei do Baião

Gonzaguinha, cujo nome completo era Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, nasceu em 22 de setembro de 1945, na cidade do Rio de Janeiro. Ele era o filho reconhecido do ilustrador Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e de Odaléia Guedes dos Santos.

A história de Gonzaguinha começa com o encontro de seus pais em 1945, em um palco de shows no centro do Rio de Janeiro. Odaléia, também conhecida como Léia, era uma cantora de samba e estava grávida quando conheceu Gonzagão. O relacionamento deles levou a morar juntos em uma casa alugada, e Gonzagão herdou a paternidade da criança, dando-lhe seu próprio nome. Embora o começo tenha sido promissor, o relacionamento rapidamente azedou, levando Léia a sair da casa com o filho após apenas dois anos de convivência. Léia voltou a trabalhar como cantora e dançarina, criando Gonzaguinha sozinha, com alguma assistência financeira de Gonzagão.

No entanto, a vida não foi fácil para o jovem Gonzaguinha. Sua mãe faleceu aos 22 anos devido à tuberculose, deixando-o órfão de mãe. Gonzagão, casado novamente em 1948 com Helena, desejava que Gonzaguinha fosse morar com eles. No entanto, Helena se decidiu a cuidar da criança, e, assim, Gonzagão entregou a guarda de seu filho aos padrinhos, Leopoldina e Henrique Xavier Pinheiro, este último conhecido como Baiano do Violão, que ensinou a Gonzaguinha a tocar o instrumento.

A infância de Gonzaguinha foi vivida no Morro de São Carlos, no bairro do Estácio. Apesar das dificuldades financeiras, ele considerava seus padrinhos como seus verdadeiros pais e desfrutou de uma infância feliz. Foi aos 14 anos que Gonzaguinha compôs sua primeira música, “Lembranças da Primavera”, uma composição precursora de muitas outras que ele viria a criar, incluindo “Festa” e “From US Of Piaui”, todas posteriormente gravadas por seu pai. Essa época também marcou sua primeira batalha contra a tuberculose, uma doença que o acompanharia ao longo de sua vida e que, infelizmente, tirou a vida de sua mãe, Léia.

Gonzaguinha fez uma reviravolta em 1951, quando, aos 16 anos, foi convocado a morar com seu pai no bairro de Cocotá, na Ilha do Governador. Isso resultou em conflitos recorrentes entre pai e filho, fazendo com que Gonzaguinha fosse enviado para colégios internos, o que só aumentava a distância entre eles. Foi somente aos 18 anos que ele deixou o internato e ingressou na Universidade Candido Mendes para estudar economia. Embora tenha iniciado seus estudos universitários, sua paixão pela música logo o chamou, e ele nunca exerceu a profissão de economista.

A Adesão ao Movimento Artístico Universitário (MAU)

Por volta de 1965, Gonzaguinha se uniu ao Movimento Artístico Universitário (MAU), um grupo de artistas talentosos que se reunia na residência do psiquiatra Aluízio Porto Carreiro de Miranda. Nesse círculo criativo, Gonzaguinha encontrou figuras notáveis ​​como Ivan Lins, Aldir Blanc, César Costa Filho, Sidney Mattos, Otávio Bonfá, entre outros. O MAU tinha como objetivo principal unir compositores universitários e promover a divulgação de suas obras, demonstrando solidariedade apesar das diferenças de estilo musical e de discurso.

A ascensão do MAU à fama veio por meio dos festivais universitários promovidos pela TV Tupi. Na primeira edição, em 1968, canções de Gonzaguinha, Ivan Lins e César Costa Filho se destacaram. Em 1969, Gonzaguinha triunfou com a sua composição “O Trem”, uma toada de protesto que capturou o sofrimento dos trabalhadores, embora tenha sido vaiado quando anunciado como vencedora.

O sucesso no festival trouxe uma exposição ampla à imprensa, levando a Rede Globo a contratá-los para o programa “Som Livre Exportação” em 1971, na esperança de reavivar movimentos musicais como a Tropicália. Contudo, o programa teve uma existência efêmera de apenas nove meses, já que a emissora optou por promover apenas Ivan Lins, cuja música era mais comercialmente aceitável. Isso levou a uma divisão no grupo, com cada membro seguindo seu próprio caminho. Apesar dos desafios, o MAU desempenhou um papel crucial na expansão da música popular brasileira, lançando alguns dos artistas mais proeminentes da futura MPB.

A Ascensão de Luiz Gonzaga Jr.

Em 1973, Gonzaguinha lançou seu primeiro álbum, intitulado “Luiz Gonzaga Jr.”, composto exclusivamente por suas próprias músicas. Este álbum incluía a faixa polêmica “Comportamento Geral”, uma crítica contundente à ditadura militar em plena vigência do AI-5.

“Comportamento Geral” gerou um debate fervoroso ao apresentar no programa de televisão de Flávio Cavalcante, no segmento “Um Instante Maestro”. O júri do programa criticou ferozmente a música, chegando a ameaçar o autor. Um dos jurados chegou a rotular Gonzaguinha de terrorista, enquanto outro sugeriu sua deportação. No entanto, essa controvérsia inesperada catapultou o cantor à fama. Em uma semana, o single da música vendeu 20 mil cópias, atraindo a atenção do DOPS (Departamento de Ordem e Social), Órgão de Censura. A música foi proibida de ser transmitida em rádio e televisão, mas sua venda contínua é permitida.

O álbum também incluiu outras faixas solicitadas ao status quo, como “Moleque”, “Pois É, Seu Zé”, “Palavras” e “Página 13”. A faixa “A Felicidade Bate à sua Porta” representou um momento de ruptura em meio ao clima de repressão geral do álbum, e essa música foi posteriormente regravada pelas Frenéticas.

No ano seguinte, Gonzaguinha lançou seu segundo álbum, também intitulado “Luiz Gonzaga Jr.”, que incluía canções como “Meu Coração é um Pandeiro”, “Piada Infeliz” e “Galope”, além de uma regravação do clássico de seu pai, “Assum Preto”. Nesse período, um jornalista o rotulou de “cantor rancor” devido às temáticas combativas de suas músicas e à sua expressão facial constantemente séria. Somente a partir de seu quinto álbum, “Moleque”, lançado em 1977, ele desenvolveu o nome artístico Gonzaguinha.

Nos primeiros anos de sua carreira, Gonzaguinha apresentou confrontos frequentes com a censura, com 54 de suas músicas sendo censuradas e inúmeras convocações do DOPS para explicar o conteúdo de suas composições. Com o início da abertura política no Brasil, a música de Gonzaguinha evoluiu, alternando entre canções politicamente engajadas e um lado mais lírico e romântico. Ele lançou músicas icônicas como “Começaria Tudo Outra Vez”, “Grito de Alerta”, “Explode Coração”, “O Que é O Que é” e “Lindo Lago do Amor”.

Reconciliação com Gonzagão

A partir de 1979, Gonzaguinha iniciou uma reaproximação com seu pai, Luiz Gonzaga. Apesar das diferenças políticas entre pai e filho, Gonzagão já havia gravado várias músicas de Gonzaguinha, como “Matuto de Opinião” e “Boi Bumbá” (no álbum “Quadrilhas e Marchinhas Juninas”, de 1965), além de “Festa”, ” Pobreza Por Pobreza”, “Erva Rasteira” e “Diz Que Vai Virar” (todas do álbum “Canãa”, de 1968).

Juntos, realizaram uma série de shows pelo Brasil e colaboraram na composição de músicas. Esse período de reconciliação e colaboração foi imortalizado no álbum “A Vida do Viajante”, um registro duplo gravado nos estúdios da gravadora Odeon.

As canções de Gonzaguinha foram regravadas por uma série de notáveis ​​​​cantores da MPB, incluindo Elis Regina, Zizi Possi, Gal Costa, Fagner, Joanna, Maria Bethânia e Simone. Ao todo, Gonzaguinha lançou 16 álbuns até 1990.

Em 29 de abril de 1991, aos 45 anos, Gonzaguinha teve sua vida tragicamente interrompida em um acidente automobilístico. O carro que dirigia, um Monza, foi descoberto por um caminhonete que vinha na contramão. Ele seguiu caminho de Pato Branco, no Paraná, até Foz do Iguaçu, onde pegaria um avião com destino a Florianópolis. Na época, o cantor residia em Belo Horizonte, com sua esposa Louise e a filha do casal, Mariana.

Gonzaguinha, um artista profundamente engajado, depositava sua fé na juventude e acreditava que ela seria capaz de provocar uma revolução, como expressa nos versos de sua música “E Vamos à Luta”. Seu legado musical e suas composições continuam a inspirar gerações de artistas e amantes da música brasileira.

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa