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Caso Bernardo Boldrini completa dez anos

Em abril 2014, uma morte ocorrida em circunstâncias cruéis, no interior do Rio Grande do Sul, chocou o Brasil. A vítima era o menino Bernardo Boldrini, à época com apenas 11 anos de idade, que foi morto pela madrasta. Esta era enfermeira e injetou-lhe altas doses do sedativo Midazolan, medicamento cujas ampolas foram adquiridas na clínica cirúrgica do próprio pai da criança e cúmplice do crime, o médico cirurgião Leonardo Boldrini.

Este poderia ter sido apenas mais um crime na lista dos casos que paralisaram o país envolvendo o homicídio de crianças com autoria atribuída aos próprios pais ou detentores da autoridade parental, exceto por uma peculiaridade: Bernardo havia pedido socorro às autoridades públicas.

Em 24 de janeiro de 2014, o menino, por iniciativa própria, caminhou até o Fórum da Comarca de Três Passos/RS e pediu para falar com o juiz. A insistência do garoto pela oportunidade de relatar ao magistrado o drama que vivia em seu lar com a madrasta e o pai foi tamanha que os servidores da comarca convenceram-se de que ele tinha algo realmente importante para tratar. Ao ouvir os relatos de Bernardo, o juiz encaminhou o menino ao Ministério Público. Para o representante do órgão, a criança novamente relatou sobre a situação de negligência em que vivia.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul ingressou com ação requisitando que a guarda de Bernardo, que era órfão de mãe, fosse concedida à avó materna. Em audiência de conciliação entre pai e filho, o juiz optou pela preservação dos laços familiares e a suspensão do processo por 60 dias, interstício de tempo estipulado para que as partes tivessem a oportunidade de se reaproximar. A principal motivação da decisão nesse sentido foi a ausência de violência física sofrida por parte do menino, bem como de registros oficiais da situação de negligência que toda a cidade noticiava. Antes de que o prazo se esgotasse, o garoto foi morto.

A partir de todos os relatos do caso disponíveis em matérias veiculadas em sites pela internet, a palavra que sempre se repete é negligência, ainda que nas entrelinhas. A criança, apesar de vir de família de classe média alta, era privada do suporte material necessário para sobreviver em condições dignas, além de não possuir qualquer suporte afetivo. O garoto, porém, foi duplamente negligenciado, uma vez que apesar de serem publicamente conhecidas as péssimas condições em que vivia, nem mesmo a escola ou o Conselho Tutelar puderam ouvir a voz da criança que rotineiramente relatava o abandono material e afetivo por parte do pai e da madrasta.

Situações em que a voz de crianças e adolescentes é desconsiderada são corriqueiras. O caso do menino Bernardo, como ficou conhecido, é apenas um exemplar das consequências extremas que a ausência do exercício do direito fundamental de participação pelo menor pode atingir. Entende-se, por direito de participação, o direito da criança de ser escutada, de manifestar suas opiniões e, sobretudo, de ter essas opiniões levadas em consideração.

O que podemos concluir de todo esse drama é que perpetuamos uma realidade cultural que desvaloriza a infância, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento dos menores como sujeitos capazes de ter seus próprios interesses, desejos e opiniões. Vivenciamos sistemas jurídicos feitos por adultos e para a adultos que, muitas vezes, desconsideram as peculiaridades de seus próprios destinatários.

Embora, conforme relatamos em coluna anterior, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tenha dado um passo importante na proteção dos sujeitos em desenvolvimento, a partir da positivação de toda uma sistemática de direitos e medidas de proteção à infância, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Espera-se que possamos refletir e aprender com os erros do passado e que busquemos concretizar o que já há algum tempo está positivado em nossos ordenamentos: a indistinção dos destinatário de direitos de fundamentais, ou seja, toda e qualquer pessoa humana, independentemente de sua idade.

Caso Bernardo: Pai do menino é condenado a mais de 30 anos de prisão

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa